domingo, 28 de setembro de 2014

"Era contemporânea"

O avanço tecnológico significou que os custos de produção foram se tornando cada vez
mais baratos. Os preços também diminuíram, embora num ritmo mais lento. Havia uma razão
inesperada para isso. Os modelos neoclássicos haviam previsto que os custos do
desenvolvimento de tecnologia e de produção limitariam as firmas a um tamanho
relativamente pequeno. Os mercados consistiriam assim de um número saudável de
competidores, nenhum dos quais seria capaz de alcançar um domínio do mercado que lhe
permitiria influenciar preços. Segundo os economistas neoclássicos, que estavam agora
assumindo influentes cargos governamentais tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, era
assim que o livre mercado continuaria a se desenvolver. Mas esses modelos haviam ignorado
o fato de que evolução pode também envolver cooperação (mesmo quando as regras não o
permitissem). Os mercados passaram a formar “câmaras de comércio” cujo propósito não
revelado era chegar a acordos para limitar a produção e manter níveis de preço, assegurando
assim maiores lucros do início ao fim à custa do incauto consumidor.

Em 1890 o governo dos EUA declarou esses cartéis ilegais com a Lei Antitruste
Sherman, proposta ao Congresso pelo irmão mais moço do célebre general a da Guerra de
Secessão que deu nome ao tanque. Mas a Lei Sherman não fez um tanque passar por cima dos
cartéis conspirativos como se pretendia. Na verdade, teve o efeito exatamente contrário. Com
os preços liberados, as companhias maiores começaram a vender por preços inferiores aos de
suas concorrentes menores para depois assumir seu controle. O que antes fora um acordo
tácito, tornou-se um fato de mercado. Um furor de consolidações e compras de empresas criou
novos e vastos conglomerados, que foram então capazes de controlar os preços através de seu
puro poder de mercado. Logo lucros enormes estavam sendo feitos e, como antes, era a
população que pagava. Vários dos gigantes formados nessa bonança ainda são familiares até
hoje: Union Carbide, Quaker Oats, Heinz, Eastman Kodak, American Telephone and
Telegraph (AT&T), para citar apenas alguns. Ironicamente, o único uso eficaz que se fez da
Lei Sherman durante as primeiras décadas de sua existência foi contra os sindicados
embrionários, que foram declarados cartéis ilegais que conspiravam para forçar o aumento
dos preços e limitar a produção. Na virada do século, apenas 3% da força de trabalho dos
EUA estavam sindicalizados. Uma riqueza incalculável estava sendo gerada agora nos
Estados Unidos, mas permanecia nas mãos de poucos.

Enquanto isso, na Europa, as câmaras de comércio usavam sua poderosa influência nos
bastidores para impedir a aprovação de qualquer legislação antitruste. Em conseqüência, as
companhias européias, de menor tamanho, não podiam fazer frente aos gigantes emergentes
dos EUA, que estavam agora lançando as bases para o domínio americano dos mercados
mundiais. Essa foi a era legendária em que dinossauros financeiros (e morais) espreitaram o
mercado americano, atacando à vontade tudo à sua volta, deixando atrás um rastro de
devastação que levava seu nome. J. Pierpoint Morgan quase conquistou o controle do sistema
ferroviário americano. Anedotas sobre seu poder ainda assombram. Em 1895 ele comprou
ouro suficiente para manter o dólar dos EUA no padrão-ouro; 12 anos mais tarde, evitou
pessoalmente uma quebra de Wall Street. (Alarmado ante o fato de tamanho poder financeiro
ter caído num único par de mãos, o governou instituiu o Federal Reserve.) Na altura de 1901,
a sociedade de pai e filho da Meyer e Daniel Guggenheim controlava a indústria americana da
mineração nos Estados Unidos, com participação majoritária em companhias do mundo todo
— dominando do ouro da Bolívia aos diamantes da África ocidental, da borracha do Congo
ao cobre do Alasca. Cornelius Vanderbilt (marinha mercante; “Vou lhe arruinar”) e Andrew
Carnegie (aço americano; “Cuide dos custos e os lucros cuidarão de si mesmos”) estavam na
mesma liga. Esses homens não davam a mínima para a economia. Matavam por instinto,
deixando contadores para enxugar o sangue. O dinheiro não tinha filosofia. Que era o dinheiro
afinal de contas? Tinha outro valor além de si mesmo? Não estavam interessados nestes tipos
de questões. O dinheiro em suas mãos não podia parar. Como J. Pierpoint Morgan disse a um
juiz, “eu diria que não quero um advogado para me dizer o que não posso fazer. Eu o contrato
para me dizer como fazer o que quero.” O dinheiro assumira o controle da sociedade
americana. O dinheiro podia fazer tudo. Em 1919, pôde comprar até o resultado das finais do
campeonato americano de beisebol — sem dúvida um dos momentos decisivos dessa saga
interminável conhecida como a perda da inocência americana.

A inocência pode ter sido perdida, mas o controle econômico não. Não completamente.
A parábola de John D. Rockefeller, o maior de todos os tubarões, deixa isso muito claro. Em
1863, aos 23 anos de idade, Rockefeller instalou sua primeira refinaria de petróleo em meio
aos então florescentes campos petrolíferos de Cleveland, em Ohio. Dois anos depois fundou a
Standard Oil e em 1872 a Standard estava controlando todas as refinarias de Cleveland.
Passados apenas oito anos, a Standard Oil controlava 95% de todo o petróleo produzido nos
EUA. A patifaria envolvida numa expansão tão megalomaníaca deixou em seu rastro um
entulho de esperanças destruídas. Em 1892, porém, Rockefeller (“Deus me deu meu dinheiro”)
foi processado sob a Lei Antitruste Sherman. Por 19 longos anos ele lutou com unhas e dentes,
transferindo a companhia de um estado para outro e usando todos os meios a seu dispor, mas
finalmente em 1911 a lei o pegou. A Standard Oil foi obrigada a se desfazer de nada menos
que 33 companhias petrolíferas diferentes. Algumas delas prosperam até hoje, na forma da
Mobil, Standard Oil, Exxon e Chevron. O capitalismo sobrevivera na terra dos livres,
controlando-se a si mesmo, mas sendo obrigado a se submeter ao controle do governo. Isso foi
bom não só para o mercado, mas para todos que competiam nele. Ironicamente, a renda de
Rockefeller na realidade aumentou depois que a Standard Oil foi dividida. No início do
século XXI, esta parábola está sendo repetida. Companhias multinacionais estão crescendo de
tal modo que logo poderiam ser capazes de desafiar governos importantes. Por enquanto elas
preferem métodos mais tortuosos de impor sua conduta — com uma exceção notável. Enquanto
escrevo estas palavras no meu PC, com a ajuda de meu obrigatório software Windows, a
Microsoft está no banco dos réus como a Standard Oil esteve em 1892. Rockefeller era mais
rico que Bill Gates em termos reais, mas o governo teve a vontade e a tenacidade de persistir
por 19 anos. Resta-nos ver agora de que estofo é feito o governo no século XXI. O
capitalismo só sobrevive adaptando-se ao livre mercado. Paradoxalmente, o livre mercado só
sobrevive porque sua liberdade está sob controle.

Na virada do século XX, num país em que “empreendimento” significava abocanhar
primeiro, e “consolidar o mercado” significava expulsar os concorrentes da cidade, o
“consumo” estava talvez fadado a ser excessivo. Os vitoriosos nessa guerra econômica não
conheciam limites. Delicadezas sociais como classe e gosto pertenciam ao Velho Mundo. Ser
um novo-rico no Novo Mundo era ingressar numa sociedade inteiramente nova, mas
curiosamente primitiva. O comportamento tribal dessa sociedade (...)
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Referências

STRATHERN, Paul. Rumo à era contemprânea. In.: Uma breve história da economia. trad. Maria Luiza X. de A. Borges, Jorge Zahar editor Ltda., Rio de Janeiro: 2001. Livro eletrônico.

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