Em outro momento da obra, Proust idealiza uma visão crítica sobre a condição da aristocracia em seus hábitos "plásticos", alheia à realidade dos moradores da província de Balbec.
Ao povo rude do vilarejo, aqueles homens e mulheres são tão estranhos quanto os peixes que capturam das profundezas do mar. As realidades se chocam na visão do nosso herói e a comparação com a realidade do povo pobre da Província é inevitável. Nas palavras de Proust:
Ao povo rude do vilarejo, aqueles homens e mulheres são tão estranhos quanto os peixes que capturam das profundezas do mar. As realidades se chocam na visão do nosso herói e a comparação com a realidade do povo pobre da Província é inevitável. Nas palavras de Proust:
(...) E à noite não jantavam no hotel, onde os focos elétricos, jorrando luz no grande refeitório, transformavam-no em um imenso e maravilhoso aquário, diante de cuja parede de vidro a população operária de Balbec, os pescadores e também as famílias de pequeno-burgueses, invisíveis na sombra, se comprimiam contra o vidro para olhar, lentamente embalada em remoinhos de outro, a vida luxuosa daquela gente, tão extraordinária para os pobres como a de peixes e moluscos estranhos (uma grande questão social, saber se a parede de vidro protegerá sempre o festim dos animais maravilhosos e se a gente obscura que olha avidamente de dentro da noite não virá colhê-los em seu aquário e devorá-los). No entanto, em meio àquela multidão suspensa e atônita no negror da noite, talvez houvesse algum escritor ou estudioso ictiologia humana, que ao ver como se fechavam as mandíbulas dos velhos monstros femininos para engolir algum pedaço de alimento, talvez se entretivesse em classificar tais monstros pelas suas raças, pelos caracteres inatos e também por esses caracteres adquiridos, graças aos quais uma velha dama sérvia, cujo apêndice bucal é o de um grande peixe marinho, come salada como uma La Rochefoucauld, porque desde a infância vive na água doce do Faubourg Saint-Germain.
(...) Infelizmente, para a minha tranquilidade, estava eu muito longe de ser como toda aquela gente. Havia alguns que me preocupavam; teria gostado que atentasse em mim um homem de fronte fugidia, olhar esquivo, que deslizava naquele meio entre os antonlhos dos seus preconceitos e da sua boa educação, e que não era nem mais nem menos que o grão-senhor da região, o cunhado de Legrandin, que costumava ir a Balbec em visita, e que aos domingos, com o Garden party que ele e a mulher ofereciam, despovoava o hotel de bom número de seus hóspedes, porque dois ou três eram realmente convidados para a festa, e outros, para que não parecesse que não o tinham sido, iam naquele dia fazer uma excursão distante. Contudo, da primeira vez em que entrou no hotel foi muito mal recebido, pois o pessoal que acabava de chegar da Côte d'Azur ignorava quem fosse aquele senhor. E não só não viera da flanela branca, mas também, fiel aos velhos usos franceses e ignorante da vida dos Palaces, tirara o chapéu ao entrar no hall porque havia senhoras; de modo que o gerente nem sequer levou a mão ao boné para saudá-lo e julgou que aquele senhor devia ser de origem humilde, o que ele chamava de homem "saliente do comum".(...)(PROUST, Marcel. 2006, pp. 310-312)
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PROUST, Marcel. À sombra das raparigas em flor. trad. Mário Quintana; 3ª ed. rev. São Paulo: Globo, 2006 (pp. 310-312).
(*)Capa da obra citada acima.
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