terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Homenagem: Centenário de óbito de Machado de Assis


Por Joandre Oliveira Melo

Não gosto muito de alimentar, criar ou render-me aos mitos. Os mitos, ao meu ver, são como ervas daninhas que sufocam a autonomia do Homem, enquanto ser pensante. Como disse Rubem Alves, o mito inibe o pensamento e induz o comportamento.

No entanto, alguns escritores exercem certa influência sobre nosso pensamento e, suas idéias permanecem latentes e delineiam nossa mentalidade. Esse é o preço por sermos seres históricos, não há como atingirmos a real neutralidade, logo, somos um pouco de cada Homem e Mulher que nos antecederam. Essa condição, ao mesmo tempo que se apresenta frustante é fascinante. Frustante, enquanto condicionamento, limite para o nosso pensamento e fascinante por revelar que somos um projeto inacabado, onde cada um que passa acrescenta um tijolo na grande muralha do pensamento humano. E por ser inacabado estaremos sempre a procura do desfecho de nossa existência, porém, espero, sem conseguir alcançá-lo.

Destarte, as idéias de alguns Homens enraizam em nosso ser fornecendo-nos o combustível para a grande fornalha do conhecimento. Um desses Homens, posso dizer seguramente, foi Joaquim Maria Machado de Assis, nascido no Rio de Janeiro em 1839.

Não sou especialista em literatura, muito menos em Machado de Assis, nosso preclaro literato, no entanto, afirmo com segurança que Homens como ele alimentam nosso orgulho de sermos brasileiros. Nesse ano, de 2008, que celebramos o centenário de sua morte, gostaria de destacar, aqui no meu blog, um pouco que aprendi com a leitura de algumas de suas obras.

Machado de Assis, nasceu a 21 de junho de 1839, falecendo em 1908 na cidade do Rio de Janeiro, transformou-se em um dos romancistas brasileiros de maior projeção. Seus trabalhos (textos), de acordo com artigos da Folha de S. Paulo, são uma fonte inesgotável de material para os críticos. Uma grande quantidade de teses estão sendo elaboradas sob o olhar dos estudiosos da obra de Machado de Assis e, revelando a presença de traços, ainda que diluídos, de uma crítica à sociedade carioca do século XIX.

Fazendo uma analogia com escritores iluministas do século XVII, tendo em vista que as idéias iluministas manifestavam-se intensamente no século XIX, embora, na guisa do positivismo, poderia classificar Machado de Assis como um Rousseau, considerando-se que sua obra não se amolda aos movimentos literários em volga, na época. Poderia, até mesmo, compará-lo a um Freud da literatura brasileira. Obviamente que baseio minhas considerações na reportagem da Folha de S. Paulo, publicada no caderno "Mais!". Contudo, baseio também em minha percepção como historiador e, através de uma de suas obras que considero a principal: "Memórias póstumas de Brás Cubas", escrita em 1881. Em Memórias póstumas de Brás Cubas, segundo a minha percepção, Machado de Assis trabalha bem a questão da moral e da ética que permeia a mentalidade dos indivíduos de uma época, inclusive apresentando-nos questionamentos sobre as construções ideológicas em relação aos sentimentos e as pulsões humanas que norteiam as atitudes dos Homens do século XIX. Poderia afirmar que o texto em epígrafe aproxima-se de um tratado antropológico do Homem urbano, na sociedade do Rio de Janeiro, no século XIX.

Memórias póstumas de Brás Cubas, marcou profundamente minha juventude, pois a li por volta de 1984, no auge dos meus 15 anos e dentre as passagens que considero como destacáveis e de cunho antropológico, está o último parágrafo, onde Machado de Assis, através do seu personagem "Brás Cubas", com todo o pessimismo de um Schopenhauer, analisa sua existência nesse mundo fazendo um balanço de suas ações.

O acaso determinou o contrário; e ai vos ficais eternamente hipocondríacos.
Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto,
não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado
dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu
rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas
Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve
míngua nem sobra, e conseguintemente que sai quite com a vida. E imaginará mal;
porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo,
que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não
transmitia nenhuma criatura o legado da nossa miséria.(p. 131)

Outro momento interessante da obra:

— Ah! brejeiro! Contanto que não te deixes ficar aí inútil, obscuro, e triste; não
gastei dinheiro, cuidados, empenhos, para te não ver brilhar, como deves, e te
convém, e a todos nós; é preciso continuar o nosso nome, continuá-lo e ilustrá-lo
ainda mais. Olha, estou com sessenta anos, mas se fosse necessário começar vidanova, começava sem hesitar um só minuto. Teme a obscuridade, Brás; foge do que é ínfimo. Olha que os homens valem por diferentes modos, e que o mais seguro de todos é valer pela opinião dos outros homens. Não estragues as vantagens da tua posição, os teus meios...(p.38)

Uma análise ao estilo Weberiano:

Que Escapou a Aristóteles

Outra coisa que também me parece metafísica é isto:

— Dá-se movimento a uma bola, por exemplo; rola esta, encontra outra bola, transmite-lhe o impulso, e eis a segunda bola a rolar como a primeira rolou. Suponhamos que a primeira bola se chama... Marcela, - é uma simples suposição; a segunda, Brás Cubas; - a terceira, Virgília. Temos que Marcela, recebendo um piparote do passado rolou até tocar em Brás Cubas, - o qual, cedendo à força impulsiva, entrou a rolar também até esbarrar em Virgília, que não tinha nada com a primeira bola; e eis aí como, pela simples transmissão de uma força, se tocam os extremos sociais, e se estabelece uma coisa que poderemos chamar – solidariedade do aborrecimento humano. Como é que este capítulo escapou a Aristóteles?(p. 49)

Mais um trecho:

Mandei a carta e almocei tranqüilo, posso até dizer que jubiloso. Minha consciência valsara tanto na véspera, que chegou a ficar sufocada, sem respiração; mas a restituição da meia dobra foi uma janela que se abriu para o outro lado da moral; entrou uma onda de ar puro, e a pobre dama respirou à larga. Ventilai as consciências! não vos digo mais nada. Todavia, despido de quaisquer outras circunstâncias, o meu ato era bonito, porque exprimia um justo escrúpulo, um sentimento de alma delicada. Era o que me dizia a minha dama interior, com um modo austero e meigo a um tempo; é o que ela me dizia, reclinada ao peitoril da janela aberta.

— Fizeste bem, Cubas; andaste perfeitamente. Este ar não é só puro, é balsâmico, é uma transpiração dos eternos jardins. Queres ver o que fizeste, Cubas? E a boa dama sacou um espelho e abriu-me diante dos olhos. Vi, claramente vista, a meia dobra da véspera, redonda, brilhante, nítida, multiplicando-se por si mesma,

—ser dez

— depois trinta

— depois quinhentas,

— exprimindo assim o benefício que me daria na vida e na morte o simples ato da restituição. E eu espraiava todo o meu ser na contemplação daquele ato, revia-me nele, achava-me bom, talvez grande. Uma simples moeda, hem? Vejam o que é ter valsado um pouquinho mais. Assim, eu, Brás Cubas, descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência. Talvez não entendas o que ai fica; talvez queiras uma coisa mais concreta, um embrulho, por exemplo, um embrulho misterioso. Pois toma lá o embrulho misterioso.(p. 56)

Finalmente, estou satisfeito de ter escrito um pouco sobre a minha visão da obra de Machado de Assis, um escritor que marcou gerações de jovens de Pará de Minas e, continuará, seguramente, influenciando outros jovens que virão. Esse é o legado deste grande escritor.

Para Mais informações:

Academia de Letras: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=659&sid=240

Wikipédia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Machado_de_Assis

Site sobre Machado de Assis.
http://www.machadodeassis.net/

A imagem de Machado de Assis, pode ser encontrada no site da Academia de Letras:
http://www.academia.org.br/abl/media/machado_de_assis.gif disponível em: 05/01/2008
____________
Referências:
Caderno Mais!. Folha de S. Paulo, publicado em 27/01/2008.

Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas. Site: http://www.dominiopublico.gov.br. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=16953 05/02/2008.

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