A primeira vez que entrei no grande salão, maravilhei-me com aquelas luzes: algumas faziam os corpos moverem-se diante de mim em intervalos síncronos; depois esmaecia, era quando brilhava, de dentro de uma espécie de domo roxa presa ao teto, uma luz única ou todas ao mesmo tempo, uma luz que parecia água a inundar o ambiente. Minha camisa branca flamejava alva como a túnica de um anjo; não só a minha, mas as dos outros corpos movendo-se frenéticos ao som de Madona, Laura Branigan e outros – Era tudo lindo, nunca mais me esqueci daqueles momentos. Os vestidos das meninas, seus cabelos meio desarrumados, seus olhos refletindo a luz do ambiente nem claro, nem escuro, às vezes claro, outras escuro.
Foi quando eu a vi, ali, tão perto, dançava linda e
docemente em meio aos saltos frenéticos dos corpos jovens amontoados no grande
salão. Ela era linda, cabelos negros, pele alva lábios vermelhos e quinze anos
de idade. Eu dezesseis. Nossos olhares se cruzaram; tremi! ela me reconheceu e
chamou-me para junto dela. Fui, claudicante, cheguei perto daquele pequeno e
belo corpo, um doce perfume emanava dele. A luz branca acendeu: eu vi a
geometria do seu rosto, os lábios destacaram combinando com olhos cor de mel. A
luz branca apagou; e começou a tocar, “Menina Veneno” do Ritchie – um cantor
que fazia sucesso no início da década de oitenta—, coincidência? Tentei me
aproximar mais, ela pedira-me: deu-me dois beijos em cada lado da minha rubra
face; talvez, ela sentira o calor que emanava provocado pelo seu toque. Em
seguida aproximou-se do meu ouvido e gritou, mas o som abafava sua voz mesmo
gritando sua voz pareceu-me um doce murmúrio:
-- Obrigada!
Retruquei:
-- O que você disse?
E ela gritou mais alto ao meu ouvido; era o que eu queria:
ouvir aqueles doces arpejos novamente.
-- Obrigada, por ter feito a minha prova de história, tirei
total era o que eu precisava para passar, sessenta pontos, em cima. Obrigada!
Obviamente que fiquei um pouco desapontado e respondi:
-- Não precisa me agradecer; afinal, eu tinha me oferecido
para fazer a prova para ela quando me disse que não passaria em história, caso
não tirasse total na última prova.
Foi quando eu tive uma ideia maquiavélica: eu a prometi que
responderia a prova a lápis levemente, porém, não a assinaria, quando a
professora se distraísse eu lha daria a prova pronta, bastava que ela
escrevesse à tinta copiando minhas respostas e depois ela apenas apagaria,
aguardava um tempo, assinaria e lha entragava à professora. “Rolou”! tudo
certo; claro que faria por ela, era a garota mis linda e meiga da sala no curso
do científico.
Mas voltando ao grande salão; dançamos peguei em sua mão
timidamente, tremendo, dei-lhe um impulso e ela girou. Sua saia rodada e
levemente plissada acompanhou o movimento levantando-se e mostrando seus
joelhos. -- Pronto, ganhei a noite, pensei.
Dançamos mais um pouco e ela cansada pediu para que saíssemos
do meio da disco e fossemos ao canto do salão onde tinha um bar. Em minha mente
passou, como se fosse um filme, o que tinha acontecido antes.
A grande aventura começara entrando no salão passando-se por
sócio no meio daqueles que realmente eram sócios, porque não tinha dinheiro
para pagar e os sócios não pagavam: primeiro aguardei a entrada encher de
pessoas; segundo passo misturei-me àquele burburinho; terceiro driblei o olhar
do sr. Vicente que ficava na portaria atento e o faro do Gato. O Gato era um
homem mal encarado que era qualquer coisa de menores, todos o temiam – nós menores
de dezoito anos, claro. Consegui vencer as três etapas fácil, mas tinha outro
problema: eu tinha apenas uma nota de um cruzeiro, nada mais. Bom, o que eu faria
com essa nota de cruzeiro, única que restara do meu salário de um mês inteiro, recebido
no dia anterior, obviamente que pagando as prestações das roupas, do sapato não
sobrava quase nada e o “quase” eu passava para minha mãe e ficava com um
cruzeiro.
Voltando ao pedido da garota de ir ao bar no canto do salão,
lembrei-me com tristeza da minha última nota de um cruzeiro, que não compraria
nada, mas o que ela pediria;
-- meu Deus, pensei, o que ela vai pedir, eu tenho que
pagar, afinal, um cavalheiro naquele início da década de oitenta jamais
deixaria de pagar algo que a garota pedisse; ainda que esse cavalheiro tivesse
apenas dezesseis anos.
Ela pediu um copo de água mineral, esfriei, contorci-me por
dentro e com a voz quase falhando perguntei ao atendente quanto era: -- um
cruzeiro senhor! Era caro, porque na rua normalmente custaria cinquenta
centavos, um copo de água mineral. Ela segurou o copo virou-se e afastou-se do
bar; não tive alternativa senão dar ao atendente a minha última nota de um
cruzeiro.
Enquanto pagava ela virou-se e me olhou com aqueles olhos de
quando aceitara que eu fizesse a prova de história. Não resisti. Paguei e não
pensei mais na minha última nota de um cruzeiro.
Ficamos conversando; quando ela olhou para o seu relógio:
eram dez e meia da noite, moça de família, naquela época só ficava até às dez
horas no salão.
-- Tenho que ir senão minhas tias me matam! Exclamou ela com
aqueles lindos lábios carnudos e vermelhos.
-- Começara a tocar as músicas lentas, era o momento que
todo garoto como eu tinha a chance de dançar juntinho com alguma garota, ainda
mais ela. Prometi que a levaria até a casa dela – cerca de duzentos metros
daquele salão – e explicaria para suas tias. – Somente uma música, por favor! Implorei e ela
aceitou, mas as coisas não correram muito bem, porque na verdade não esperava
que ela aceitasse depois de infrutíferas investidas com outras garotas. Então,
tremia e não conseguia dançar direito, mas podia sentir aquele perfume
delicioso.
-- foi uma música curta, talvez a mais curta de todas as
músicas lentas que ouvi em toda minha vida.
-- Então até segunda-feira na aula, disse ela meigamente.
-- Não! Respondi: -- Eu a acompanho; prometi a você e já
eram dez horas e quarenta e cinco minutos.
-- Tudo bem, disse ela, mas temos de ser rápidos.
Então lembrei-me do Sr. Vicente e do Gato. Não tinha
alternativa teria de passar por eles. Foi quando pensei e disse à linda garota:
-- Beleza! Vamos correndo.
Segurei sua mão e a puxei escada abaixo, olhei para trás e o
Sr. Vicente me encarou como se quisesse me bater. Após descermos a escada,
atravessarmos a rua direita eu olhei para o prédio – o saudoso centro literário
Pedro Nestor – suspirei aliviado.
Seguimos mais lento, todavia, rápidos, ao chegar esperei que
ela abrisse a porta e ela me respondeu:
-- Está tudo bem, estão todas dormindo.
-- Que ótimo retruquei, meio triste, então ela entrou
rapidamente, e só... fui embora muito triste.
Na segunda-feira, nos encontramos no colégio e ela me
pareceu muito receptiva. Mas o que aconteceu naquela semana e no sábado
seguinte ficará para um outro texto.
Joandre Oliveira Melo.
Bons tempos esses do Centro Literário, né? Tive a oportunidade de frequentar o Centro no seu finalzinho, e posso dizer que o texto retrata muito bem o que se passava por ali.
ResponderExcluirUm abraço!
Eram bons tempos!
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