domingo, 30 de novembro de 2008

Virtudes e vícios: sob a ótica do economicismo


Por Joandre Oliveira Melo

Advertência: O texto abaixo não está baseado em fontes teóricas, sendo apenas comentários livres sobre o artigo de Paul Krugman no New York Times, traduzido por Paulo Migliacci e publicado na Folha de S. Paulo em 15 de novembro de 2008.

Todos sabemos que o atual sistema que ai está sustenta-se por pilares básicos em todo mundo. Fundamentalmente, o capitalismo sustenta-se nos vícios e apetites dos seres humanos. O egoísmo é sua engrenagem principal.

Adam Smith viu isso claramente quando afirmou que não era da benevolência do padeiro, do açougueiro e do cervejeiro que ele teria seu jantar; mas, ele o teria porque outros em busca da própria sobrevivência, da satisfação de suas necessidades, seus desejos, lançavam-se à produção de bens ou serviços, com os quais trocariam por dinheiro e, por conseguinte, a manutenção de seus corpos biológicos.

Todavia, nessa incessante atividade, alguns apropriavam-se do trabalho de outros, menos afortunados, e vendiam o seu "trabalho objetivado": a mercadoria. Porém, repassando-lhes um valor menor do que obtiveram com a venda. A acumulação deste valor não pago pelo trabalho dos outros, é o lucro; o único objetivo para o qual vivemos hoje. A acumulação dos lucros individuais no decorrer dos séculos corroborou para a acumulação do capital contribuindo para o florescimento de uma nova classe: a burguesia. A burguesia endinheirada impôs seu estilo de vida ao mundo, apossou dos meios de produção, da jurispridência e atropelou o Estado, seu maior aliado durante os seus primeiros e penosos passos.

Como se não bastasse, os lucros que só aumentavam, principalmente com a crescente mecanização dos meios de produção no decorrer dos séculos, aqueles endinheirados começaram a "disponibilizar" suas riquezas para que outros - menos afortunados - pudessem usufrui-la, para criar seu próprio negócio ou melhorar sua moradia, comprar mais bens e serviços, fazer um tratamento de saúde... às vezes financiavam até o Estado moribundo, logicamente que, sob uma régia remuneração do valor que empregavam. Essa prática evoluiu rapidamente, porque quem corre os riscos dos negócios e realiza todo o trabalho são outros, os endinheirados mantêm-se no ócio, apenas redirecionando seus capitais, a medida que deixam de ser bem remunerados, de um lugar para outro - um país para outro, por exemplo - e para alguém que pague mais por ele e o faça crescer cada vez mais.

Este sistema de obtenção do lucro fácil difundiu-se como uma praga entre os endinheirados. Toda a dinâmica do novo mercado tornou-se particularmente complexa e eficiente na remuneração dos capitais, como nunca visto antes na história da humanidade. Ainda que, inexoravelmente vulnerável aos acontecimentos e muito mais aos boatos. Crises cíclicas ocorrem e são consideradas normais. No entanto, no final da década de 20, no século passado, uma grande depressão ocorreu. Grandes financistas endinheirados, ávidos por opulentos lucros e iludidos por um breve período de prosperidade - devido ao alto consumo com a reconstrução da Europa - entre a primeira e segunda guerra mundial, multiplicavam suas fortunas alucinadamente, até que todo o sistema ruiu devido a recuperação e retomada da produção na Europa. Da noite para o dia todo o sistema capitalista mundial entrou em colapso. Muitos dos que perderam tudo, tiraram suas próprias vidas; pois, aqueles que provaram o inebriante sabor da fortuna, a rotina dura do dia a dia, faz perder todo o sentido da vida. O sistema neste momento subjugou o ser humano, corrompeu sua natureza, reforçou a interpretação utilitarista, onde o homem foge da dor e busca o prazer, conforme descreve Jeremy Bentham.

Com efeito, o egoísmo fez a humanidade avançar; homens sem valor, senhores queridos e admirados por todos. Por outro lado, o altruísmo, a partilha deteriora o sistema e torna homens valorosos e aclamados em meros seres.

Para solucionar a crise de 29, o ilustre filósofo-economista John Maynard Keynes propôs - contrariando a idéia dominante na época, de que o Estado deveria recolher-se ao seu lugar, reservado pelo capitalismo, e deixar que o sistema se equalize naturalmente - a participação intensiva do Estado gastando para aquecer o consumo novamente e restabelecer o agonizante sistema capitalista. É, entretanto, em última análise a pervesão de mais uma virtude, ou seja, socializam-se perdas originadas da irresponsabilidade de poucos endinheirados que lucraram somente para si durante anos.

Vivemos hoje um momento parecido, no entanto, os tratamentos ortodoxos como propostos por Keynes, não têm demonstrado eficazes.

Segundo Paul Krugman, a capacidade dos tesouros federais de injetar dinheiro no mercado é bem superior à dos anos 20; entretanto, se os governos não forem capazes de vencer alguns "preconceitos e idéias convencionais", não conseguirão, por mais que sejam capazes de injetar dinheiro no mercado para salvar os ricos e endinheirados, evitar a espiral de queda em nos encontramos.

Krugman sugere que os governos quebrem tabus rompendo com atitudes comedidas e efetivem um plano de gastos. Pois, mesmo com os bilhões que injetaram nos grandes bancos socorrendo-os e impedindo que quebrassem, se não reduzirem os juros drasticamente, aumentarem seus déficits e correrem riscos, resumindo, que sejam perdulários; não conseguirão reverter a espiral de queda do sistema capitalista. É preciso, complementa Krugman, que os governos ajudem o cidadão comum, principal vítima nessa crise, fornecendo-lhe todo o suporte para que possam gastar com tranquilidade. Seria neste ponto a forma de resolver a "deformação da demanda efetiva."

Um efeito colateral, resultado deste comportamento perdulário do Estado poderia ser: o retorno da inflação. Contra isso, Krugman indica o remédio: os governos podem subir as taxas de juros. Resumindo, para Krugman "(...) quando a economia da depressão prevalece, prudência é insensatez."

Mas, será que o remédio funcionaria?

Será que a velha política do "STOP n'GO" já não está ultrapassada?

Porque sempre em crises sistemáticas, não se pensa em mudar o sistema que agoniza, mas todas as energias estão voltadas para a recuperação de um sistema oprimente, que privilegia poucos em detrimento de muitos?

Ao acaso todas as coisas criadas não estão ai? A terra continua produzindo víveres para a nossa existência; tudo está intacto, apenas as relações sociais, subjetivas, estão em colapso. O homem não precisa deter fortunas extraordinárias, tudo o que ai está, resultado do nosso trabalho e de nossos ancestrais pode ser dividido e ao mesmo tempo ser socializado.

Já que precisamos ser ousados nas crises, por que não transcendermos construindo um mundo novo, um sistema novo?

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Referências

Artigo: Economia da Depressão, por Paul Krugman, tradução de Paulo Migliacci, publicado na Folha de S. Paulo, caderno: dinheiro, p. B4 em 15 de novembro de 2008.

(*) Imagem: Cunhagem de moedas na França, durante o reinado de
Luís XII. disponível em: http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/bco_imagens/moeda/moeda_06.htm


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