segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Angústia do EXISTIR - O homem atormentado

Vivo no medo constante do dia de amanhã. Parece-me uma interrogação sem resposta. Sofro de não poder penetrar na escuridão do futuro. Só vejo Adamastores na minha rota e o mar tenebroso cheio de mistérios e perigos, ainda ignorados. A vida abre-me, de momento, os seus braços, tenta-me com toda a casta de prazeres, mas não alcanço o sossego, porque me persegue esta dúvida de saber, de compreender o momento que vivemos, e me torturam as perspectivas do amanhã....
(...)
Não creia que é medo da guerra que me traz inquieto e ansioso. Apesar de tudo, é ainda a única certeza que se desenha ante o meu espírito -- uma certeza trágica, que concretiza, de momento, as minha dúvidas e interrogações; estas persistem, no entanto ... um mal que vem de há muito...
(...)
Vivia quedo e feliz na ignorância do que ia pelo mundo; desconhecia a civilização e a vida moderna. Não sofria então destas dúvidas que me obcecam... quiz conhecer a Humanidade de hoje, e percorri todas as terras, tomei contacto com todos os povos, auscultei as suas dores e as suas necessidades, apoxonei-me pelos seus problemas, identifiquei-me com as suas aspirações, e eis-me despedaçado de angústia, ante a crise da hora presente -- uma crise única na História, de que temos a consciência plena, sem lhe vermos a solução, nem a saída; ressuscitar um passado já morto? impossível...
(...)
A esperança da felicidade na outra vida não nos basta já para sofrermos resignadamente todos os males cá da terra; vai longe a Idade Média, a Renascença desvendou-nos o mundo da Vida e da Natureza, o século XVIII revelou ao homem a ilusão dos seus direitos, da Razão e da sua liberdade, as últimas décadas trouxeram-nos o domínio da matéria, a técnica, todas estgas maravilhas da civilização. O espírito sente-se, porém, vazio, o homem não se encontra a si mesmo, sente a angústia de existir, sem encontrar o verdadeiro sentido da vida...
(...)
Uns pintam-me a barbárie, outros o paraíso de novas formas de vida e propaganda; a política desgosta-me; a crise do meu viver é mais funda, toca a própria essência da cultura. Dizem-me ainda, para me consolar, que a solução está nos problemas económicos -- já passei fome, de facto, e ainda me privo de muita coisa boa -- mas não, sinto-me mais sensível no espírito do que no estômago....
(...)
o que me apoquenta é esta desarmonia que não consegue lenitivo. Vejo tudo em crise, não encontro terra firme onde pôr o pé. Nem a ciência me dá a segurança de que precisava. Julgava que todos os fenómenos tienham uma causa bem determinada e vêm-me dizer que só o acaso rege a Natureza, as leis causais já não valem, que nos termos de enverfonhar do nosso racionalismo, da observação objectiva dos fenómenos e contar, apenas, com a intuição.... A própria existência não se encontra a si mesma, o problema do Ser alcandora-se a questão basilar da filosofia. E temos de concluir: o Nada -- a angústia de viver...
(...)
Pouco espero já da medicina. Vejo tudo mecanizado e estandardizado. As clínicas organizadas para as consultas e tratamentos em massa. Precisava que me libertassem destgas cadeias morais, que me trazem manietado... Só me cuidam do físico, sem compreender a origem existencial da minha angústia! Não quero acusar os médicos; seguem a fatalidade da época, o império do tecnicismo, o domínio das massas..., e eu queria ser compreendido como Homem, como Indivíduo, e não como um caso entre milhões...
___________________________________
BARAHONA FERNANDES, Henrique João. Cap. II: O acontecer psicopatológico. Vistas Fenomenológico-Clínicas. In.: Antropociências da Psiquiatra e da saúde mental - Vol I - O Homem perturbado. Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, 1998. p. 125-127.
(*) Imagem disponível em: http://ma-schamba.com/ficheiros/adamastor.jpg, 28/02/2011 23:07.

2 comentários:

  1. Deve ser muito difícil viver com medo do dia de amanhã.
    Medo do que nunca pode vir a acontecer? É muito tormento...
    Terezinha

    ResponderExcluir
  2. Caro Joandre,
    Eis um mal estar que ganha expressão na nossa sociedade...
    Não acredito que antes não sentia-se esse vazio. Apenas possuíamos um conforto no além que não temos mais,
    Agora "sonhamos, sabendo que estamos a sonhar" Nietzsche.
    O que fazer com esse despertar é realmente a grande questão,
    Att,
    Isabelle

    ResponderExcluir

Agradeço pelo seu comentário.