segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Profissionalização do Historiador


O texto abaixo refere-se ao Projeto de Lei de iniciativa do Senado PLS-368/09. Advirto-os, no entanto, dentro de minha limitada eloquência e conhecimentos, tentar propor-lhes outra forma de ver o assunto, sobre o projeto que tramita na câmara dos deputados.
Creio que todos nós somos atores de um processo que supera nossas ações individuais e o conjunto de todas as ações compõem uma teia social, criam e destituem instituições às vezes de extremo valor social, outras estapafúrdias. A História, apreendida por um indivíduo ou grupo de indivíduos, dentro do que chamamos de senso comum, pode ser lacônica e imprecisa em sua acepção da realidade e, ainda, em muitos casos  elitizada e ideologica (como quer o nobre senhor senador José Sarney ao propor ao dizer que com a aprovação desta lei ele não poderia escrever sobre a história do Maranhão); não o veria contar uma história do Maranhão sem concentrar-se em sua família ou em seus esforços políticos.
A História remonta aos tempos antigos e durante séculos não passou de uma narração, um simples registro dos acontecimentos. Durante este período era uma história das elites, narrava os grandes feitos das dinastias, das instituições políticas e religiosas. Entretanto, o centro de suas indagações deslocou-se radicalmente, nas últimas décadas, opondo-se a este sistema despótico e considerado equivocado, a Escola do Annales ou a Nova Escola conseguiu impor forte tendência à mudança do eixo dos estudos historiográficos. Contudo, não vejo nenhum entrave a sagazes escritores celebrarem a história de seu povo, (como uma projeção mental própria), inclusive enriquecendo os anais da historiografia. A profissionalização do historiador e a narrativa individual dos fatos  históricos não são excludentes, inclusive a historiografia utiliza-se, de forma considerável, a narração individual de um espectador do fato histórico. Até este momento não vejo em que o Projeto de Lei do Senado – PLS-328/09, possa criar de mal-estar entre aqueles que escreveram e escrevem sobre historiografia, contudo argumentemos um pouco mais.
No início do século XX, Marc bloch e Lucien Febvre lançaram uma revista revolucionária que viria a solapar as bases do antigo conhecimento historiográfico, ampliando a análise historiográfica acerca da produção humana. Embora, ainda assentada na produção cultural e em bases econômicas, trouxe o despertar para uma nova metodologia de análise da história da humanidade. Porém, estes limites, se é que podemos chamar de limites – uma vez que podemos conceber todo o desenvolvimento histórico da humanidade analisando as fases pelas quais passou e comparando a produção de bens produzidos em cada época – foram revistos e ampliados por historiadores posteriores  à célebre escola do Annales.
A natureza interdisciplinar da historiografia é uma característica deste conhecimento e não a apropriação dos métodos da Sociologia, Economia, Antropologia entre outras ciências já reconhecidas. Asseguro-lhes – não é apenas uma filosofia da história.
O fato de a historiografia estar mais próxima das raízes (filosofia), raízes de onde partiram todas as ciências e bacharelados reconhecidos, não contamina – utilizo-me deste termo por não encontrar outro no momento – a produção de um conhecimento diferenciado que seja científico e baseado no empirismo. Nós podemos observar que o avanço das ciências não tem rompido com sua natureza primeira, especulativa e dedutiva de suas raízes filosóficas. Observem por exemplo a cosmologia (astronomia) e a física teórica. Ambas estão perigosamente no limiar do físico com o metafísico. Compare as grandes descobertas na física teórica, essencialmente dedutiva, e a sua dificuldade em compreender o seu objeto a posteriori. Comparemos a teoria das subpartículas; partículas fantasmagóricas, como são referidas, apreendidas e, ainda, circunscrita a intrincados modelos da matemática, conhecimento a priori, sem uma comprovação efetivamente incisiva acerca do que são e como se comportam na entropia do infinitamente pequeno. Não obstante, avançamos a passos largos, veja que a famosa frase de Einstein – “Deus não joga dados com o mundo” – pode ser considerada como reducionista diante do conhecimento acumulado nos últimos anos. Outro bom exemplo é o caso da macroeconomia, uma divisão extremamente importante da economia, um ramo do conhecimento amplamente reconhecido como essencial ao provimento de informações e dados à direção do mundo moderno. Observe, no entanto, a sua incapacidade em prever o terremoto financeiro que se mostrava adormecido nas entranhas do seu objeto de estudo; nem sempre é fácil prever catástrofes, concordo; porém, em um espaço de tempo curto e todo o arsenal matemático, teórico e experiências anteriores por trás dos conhecimentos macroeconômicos, dever-se-ia, avistar uma turbulência no horizonte. Teorias, projeções, estatísticas modelos extremamente subjetivos aconselham o mundo a trilhar por caminhos preditos pelas ciências econômicas. Mesmo com todo este aparato não poderia açambarcar todos os movimentos de uma realidade espetacularmente dinâmica.
A medicina e suas especialidades. O seu arcabouço teórico não muito mais do que um conjunto exponencial de teorias, algumas bem sucedidas, outras nem tanto. Através delas os cientistas podem, potencialmente, tratar enfermidades ou aliviar-lhes os sintomas, mas a cura, o conhecimento amplo e irrestrito ainda não foi conseguido. Basta lermos a bula de medicamento, os psicotrópicos, por exemplo, droga amplamente utilizada nos dias atuais para tratamento dos distúrbios mentais, e acusarmos a seguinte frase “(...) porém o mecanismo específico de ação do (...) no tratamento da (...) é desconhecido ”, ou seja, não se sabe exatamente como aquela droga age sobre o metabolismo do corpo humano, contanto, que alcance uma melhora ou supressão dos sintomas em pacientes psicóticos. Nestes momentos não queremos a presença de um filósofo, ou um farmacêutico, ou um padre as voltas para cuidar do paciente, pelo contrário, exigimos a presença e os cuidados de um especialista. Reitero que, todas essas profissões regulamentadas, têm o seu valor referendado pela lei e de seus executores que responderão por este conhecimento. Há, ainda, os órgãos específicos que aplicam-lhes penalidades no caso de imperícias ou negligências. Desejo mostrar-lhes que nenhum outro profissional, por mais estudioso que seja, e por melhores intenções que tenha, nunca assinará um laudo médico ou assumirá algum tipo de procedimento desta natureza. Embora, os historiadores, seres pensantes, eruditos não estejam aptos a praticar a medicina, astronomia, física teórica ou assinarem o balanço de uma empresa, sequer serão ouvidos em algum processo econômico, possuem, ou pelo menos devem possuir um grande conhecimento de todas essas áreas para compor um processo histórico razoável para posteridade. E, mesmo que se destaque em algum dos ramos das ciências acima, nunca será laureado por este mérito. Obviamente que, estas não são atribuições do historiador, mas como construção do saber humano, no processo histórico, está na pauta de um historiador profissional e sério. Para não me prolongar mais encerro aqui minhas considerações acerca de alguns exemplos de profissões reconhecidas.
Penso se não seria o momento de citar Descartes – embora, o cartesianismo esteja em baixa –, no seu discurso sobre o método aconselha-nos a dividir um problema em tantas partes quanto possível. Será que não seria aplicável também, neste momento, dentro do conhecimento das ciências sociais? Não saberia responder-lhes com argumentos certeiros. Contudo proponho a dúvida.
Como afirmei anteriormente a história, há muito deixou de ser apenas uma narrativa dos grandes acontecimentos e com o passar dos anos novas ideias e métodos surgiram e foram aperfeiçoados distanciando a história do conhecimento filosófico dedutivo movendo o produto do seu conhecimento a uma análise distinta das outras ciências humanas. Seus resultados seriam, inclusive, irreconhecíveis para a sociologia que utiliza-se dos estudos históricos em larga escala.
O fato histórico é peculiar em sua existência, pois, só pode ser estudado após o seu termo e, depois de acontecido, não podemos mais evidenciá-lo como algo, mas apenas como interpretações contidas na mente daqueles que viveram-no e na observação daqueles que o observaram “de fora”, sem, contudo, vivenciá-lo em intensidade no espaço e no tempo. Nietzsche nos diz muito acerca dos fatos: “(...) Ao contrário, fatos é o que não há; há apenas interpretações”. Diante da afirmação de Nietzsche, comprovamos que os fatos, embora tenham ocorrido fora de uma realidade psíquica – interior ao indivíduo e sua concepção acerca do mundo em que ele está – realidade a qual não podemos conhecer, só terá um sentido e, portanto, existir como fato histórico em interpretações.   
A historiografia hoje interpreta o fato histórico, analisando-o conforme as correntes mais atuais e consensial entre aqueles que se debruçaram sobre os conceitos e teorias da história. Propomos uma teoria acerca da interpretação do fato histórico, utilizamos de raciocínio dedutivo, evidências de todas as naturezas, fontes primárias diversas (evidências mais próximas do fato), testes empíricos (como por exemplo, cruzamento de dados e suas consequências na vida das pessoas, estatística, entre outros), um corpo conceitual próprio e uma pesquisa bibliográfica aprofundada. Somente após todo este trabalho a hipótese é submetida ao crivo das interpretações de outros historiadores especializados, busca-se um consenso. O consenso valida a hipótese e a teoria válida prevalecerá tanto quanto for bem fundamentada. Certamente que, novas teorias melhor fundamentadas e dialogando melhor com as questões da época em que o fato histórico for revisitado surgirão.  
Na produção do conhecimento histórico temos: objeto, corpo conceitual, e métodos bem definidos.
Pará de Minas, 18 de novembro de 2012.
Joandre Oliveira Melo
Licenciado em História pela Faculdade de Pará de Minas – FAPAM
Pós-graduado em Ética e filosofia pela Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM

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Fontes:

ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e a suas regras. Ed. Loyola, São Paulo: 2000. Citação de Nietzsche p.133.

Bula Carbolitium. Carbonato de lítio. Eurofarma. São Paulo: 2009. Caixa de comprimidos de 300mg, Informações técnicas: Características.

Projeto de Lei do Senado – PLS-368/09. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=92804. 19.11.2012 17:10.

RODRIGUES, Fernando. Historiador? Só com diploma. In.: Folha de S.Paulo – Opinião. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/77070-historiador-so-com-diploma.shtml. 18.11.2012 21:58h.

(*) Imagem Clio Musa da História, disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Clio. 19.11.2012 18:14

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