O texto abaixo refere-se ao Projeto de Lei de iniciativa do Senado PLS-368/09. Advirto-os, no entanto, dentro de minha limitada
eloquência e conhecimentos, tentar propor-lhes outra forma de ver o assunto, sobre o projeto que tramita na câmara dos deputados.
Creio que todos nós somos atores de um processo que supera
nossas ações individuais e o conjunto de todas as ações compõem uma teia
social, criam e destituem instituições às vezes de extremo valor social, outras
estapafúrdias. A História, apreendida por um indivíduo ou grupo de indivíduos,
dentro do que chamamos de senso comum, pode ser lacônica e imprecisa em sua
acepção da realidade e, ainda, em muitos casos
elitizada e ideologica (como quer o nobre senhor senador
José Sarney ao propor ao dizer que com a aprovação desta lei ele não poderia escrever sobre a história do Maranhão); não o veria contar uma história do Maranhão sem concentrar-se em
sua família ou em seus esforços políticos.
A História remonta aos tempos antigos e durante séculos não passou de uma
narração, um simples registro dos acontecimentos. Durante este período era uma
história das elites, narrava os grandes feitos das dinastias, das instituições
políticas e religiosas. Entretanto, o centro de suas indagações deslocou-se
radicalmente, nas últimas décadas, opondo-se a este sistema despótico e considerado
equivocado, a Escola do Annales ou a Nova Escola conseguiu impor forte
tendência à mudança do eixo dos estudos historiográficos. Contudo, não vejo
nenhum entrave a sagazes escritores celebrarem a história de seu povo, (como
uma projeção mental própria), inclusive enriquecendo os anais da
historiografia. A profissionalização do historiador e a narrativa individual
dos fatos históricos não são
excludentes, inclusive a historiografia utiliza-se, de forma considerável, a
narração individual de um espectador do fato histórico. Até este momento não
vejo em que o Projeto de Lei do Senado – PLS-328/09, possa criar de mal-estar
entre aqueles que escreveram e escrevem sobre historiografia, contudo
argumentemos um pouco mais.
No início do século XX, Marc bloch e Lucien Febvre lançaram uma revista
revolucionária que viria a solapar as bases do antigo conhecimento
historiográfico, ampliando a análise historiográfica acerca da produção humana.
Embora, ainda assentada na produção cultural e em bases econômicas, trouxe o despertar
para uma nova metodologia de análise da história da humanidade. Porém, estes
limites, se é que podemos chamar de limites – uma vez que podemos conceber todo
o desenvolvimento histórico da humanidade analisando as fases pelas quais
passou e comparando a produção de bens produzidos em cada época – foram
revistos e ampliados por historiadores posteriores à célebre escola do Annales.
A natureza interdisciplinar da historiografia é uma característica deste
conhecimento e não a apropriação dos métodos da Sociologia, Economia, Antropologia
entre outras ciências já reconhecidas. Asseguro-lhes – não é apenas uma
filosofia da história.
O fato de a historiografia estar mais próxima das raízes (filosofia), raízes
de onde partiram todas as ciências e bacharelados reconhecidos, não contamina –
utilizo-me deste termo por não encontrar outro no momento – a produção de um
conhecimento diferenciado que seja científico e baseado no empirismo. Nós
podemos observar que o avanço das ciências não tem rompido com sua natureza
primeira, especulativa e dedutiva de suas raízes filosóficas. Observem por
exemplo a cosmologia (astronomia) e a física teórica. Ambas estão perigosamente
no limiar do físico com o metafísico. Compare as grandes descobertas na física
teórica, essencialmente dedutiva, e a sua dificuldade em compreender o seu
objeto a posteriori. Comparemos a teoria das subpartículas; partículas
fantasmagóricas, como são referidas, apreendidas e, ainda, circunscrita a
intrincados modelos da matemática, conhecimento a priori, sem uma comprovação
efetivamente incisiva acerca do que são e como se comportam na entropia do
infinitamente pequeno. Não obstante, avançamos a passos largos, veja que a
famosa frase de Einstein – “Deus não joga dados com o mundo” – pode ser considerada
como reducionista diante do conhecimento acumulado nos últimos anos. Outro bom
exemplo é o caso da macroeconomia, uma divisão extremamente importante da
economia, um ramo do conhecimento amplamente reconhecido como essencial ao
provimento de informações e dados à direção do mundo moderno. Observe, no
entanto, a sua incapacidade em prever o terremoto financeiro que se mostrava
adormecido nas entranhas do seu objeto de estudo; nem sempre é fácil prever
catástrofes, concordo; porém, em um espaço de tempo curto e todo o arsenal
matemático, teórico e experiências anteriores por trás dos conhecimentos
macroeconômicos, dever-se-ia, avistar uma turbulência no horizonte. Teorias,
projeções, estatísticas modelos extremamente subjetivos aconselham o mundo a trilhar
por caminhos preditos pelas ciências econômicas. Mesmo com todo este aparato
não poderia açambarcar todos os movimentos de uma realidade espetacularmente
dinâmica.
A medicina e suas especialidades. O seu arcabouço teórico não muito mais
do que um conjunto exponencial de teorias, algumas bem sucedidas, outras nem
tanto. Através delas os cientistas podem, potencialmente, tratar enfermidades
ou aliviar-lhes os sintomas, mas a cura, o conhecimento amplo e irrestrito
ainda não foi conseguido. Basta lermos a bula de medicamento, os psicotrópicos,
por exemplo, droga amplamente utilizada nos dias atuais para tratamento dos
distúrbios mentais, e acusarmos a seguinte frase “(...) porém o mecanismo
específico de ação do (...) no tratamento da (...) é desconhecido ”, ou
seja, não se sabe exatamente como aquela droga age sobre o metabolismo do corpo
humano, contanto, que alcance uma melhora ou supressão dos sintomas em
pacientes psicóticos. Nestes momentos não queremos a presença de um filósofo,
ou um farmacêutico, ou um padre as voltas para cuidar do paciente, pelo
contrário, exigimos a presença e os cuidados de um especialista. Reitero que,
todas essas profissões regulamentadas, têm o seu valor referendado pela lei e
de seus executores que responderão por este conhecimento. Há, ainda, os órgãos
específicos que aplicam-lhes penalidades no caso de imperícias ou negligências.
Desejo mostrar-lhes que nenhum outro profissional, por mais estudioso que seja,
e por melhores intenções que tenha, nunca assinará um laudo médico ou assumirá
algum tipo de procedimento desta natureza. Embora, os historiadores, seres
pensantes, eruditos não estejam aptos a praticar a medicina, astronomia, física
teórica ou assinarem o balanço de uma empresa, sequer serão ouvidos em algum
processo econômico, possuem, ou pelo menos devem possuir um grande conhecimento
de todas essas áreas para compor um processo histórico razoável para
posteridade. E, mesmo que se destaque em algum dos ramos das ciências acima,
nunca será laureado por este mérito. Obviamente que, estas não são atribuições
do historiador, mas como construção do saber humano, no processo histórico, está
na pauta de um historiador profissional e sério. Para não me prolongar mais
encerro aqui minhas considerações acerca de alguns exemplos de profissões
reconhecidas.
Penso se não seria o momento de citar Descartes – embora, o cartesianismo
esteja em baixa –, no seu discurso sobre o método aconselha-nos a dividir um
problema em tantas partes quanto possível. Será que não seria aplicável também,
neste momento, dentro do conhecimento das ciências sociais? Não saberia
responder-lhes com argumentos certeiros. Contudo proponho a dúvida.
Como afirmei anteriormente a história, há muito deixou de ser apenas uma
narrativa dos grandes acontecimentos e com o passar dos anos novas ideias e
métodos surgiram e foram aperfeiçoados distanciando a história do conhecimento
filosófico dedutivo movendo o produto do seu conhecimento a uma análise distinta
das outras ciências humanas. Seus resultados seriam, inclusive, irreconhecíveis
para a sociologia que utiliza-se dos estudos históricos em larga escala.
O fato histórico é peculiar em sua existência, pois, só pode ser estudado
após o seu termo e, depois de acontecido, não podemos mais evidenciá-lo como
algo, mas apenas como interpretações contidas na mente daqueles que viveram-no
e na observação daqueles que o observaram “de fora”, sem, contudo, vivenciá-lo
em intensidade no espaço e no tempo. Nietzsche nos diz muito acerca dos fatos:
“(...) Ao contrário, fatos é o que não há; há apenas interpretações”. Diante da
afirmação de Nietzsche, comprovamos que os fatos, embora tenham ocorrido fora
de uma realidade psíquica – interior ao indivíduo e sua concepção acerca do
mundo em que ele está – realidade a qual não podemos conhecer, só terá um
sentido e, portanto, existir como fato histórico em interpretações.
A historiografia hoje interpreta o fato histórico, analisando-o conforme
as correntes mais atuais e consensial entre aqueles que se debruçaram sobre os
conceitos e teorias da história. Propomos uma teoria acerca da interpretação do
fato histórico, utilizamos de raciocínio dedutivo, evidências de todas as
naturezas, fontes primárias diversas (evidências mais próximas do fato), testes
empíricos (como por exemplo, cruzamento de dados e suas consequências na vida
das pessoas, estatística, entre outros), um corpo conceitual próprio e uma
pesquisa bibliográfica aprofundada. Somente após todo este trabalho a hipótese
é submetida ao crivo das interpretações de outros historiadores especializados,
busca-se um consenso. O consenso valida a hipótese e a teoria válida
prevalecerá tanto quanto for bem fundamentada. Certamente que, novas teorias melhor
fundamentadas e dialogando melhor com as questões da época em que o fato
histórico for revisitado surgirão.
Na produção do conhecimento histórico temos: objeto, corpo conceitual, e
métodos bem definidos.
Pará de Minas, 18 de novembro de 2012.
Joandre Oliveira Melo
Licenciado em História pela Faculdade de
Pará de Minas – FAPAM
Pós-graduado em Ética e filosofia pela
Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM
___________________________________
Fontes:
ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e a suas regras. Ed. Loyola, São Paulo: 2000. Citação de Nietzsche p.133.
Bula Carbolitium. Carbonato de lítio. Eurofarma. São Paulo: 2009. Caixa de comprimidos de 300mg, Informações técnicas: Características.
Projeto de Lei do Senado – PLS-368/09. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=92804. 19.11.2012 17:10.
RODRIGUES, Fernando. Historiador? Só com diploma. In.: Folha de S.Paulo – Opinião. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/77070-historiador-so-com-diploma.shtml. 18.11.2012 21:58h.
(*) Imagem Clio Musa da História, disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Clio. 19.11.2012 18:14
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradeço pelo seu comentário.