segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Cartas a Tio Antônio: Prosopopeia

Caro Tio Antônio,

A prosopopeia é um bom recurso para os poetas; sejam eles moralistas, ou porque querem emprestar uma vontade de potência a algo para empolar o seu discurso.

Um subterfúgio interessante, porém, não só restrito aos rebusques das letras; veja que, às vezes, as coisas ou os bens produzidos superam seu valor de uso exponencialmente, por um valor subjetivo. É o tal de valor intangível que já começa a ser contabilizado. Marx dizia: "A consciência não pode ser maior do que o ser consciente.", mas parece que o mundo do irreal, do inconsciente tem superado o homem -- ser consciente e, pretenso autor de sua história. O inconsciente trataremos aqui como o impalpável, não o inconsciente de Freud ou dos seus epígonos. Mas, bem poderíamos invocar Freud em algum momento, no complexo de Narciso. Sim! "a logo" (Logomarca) no capitalismo moderno superou os ativos e a força produtiva; o trabalho que é a única potência geradora de riquezas foi banalizado junto com o homem que é o seu progenitor. 

Agora vale o prazer, o etéreo, o onírico. Se a marca pode me dar o maior prazer possível, seu valor transcenderá aquilo que realmente é, e, o é realmente, dentro de uma realidade concebida imaterialmente e, circunscrita à psique do Homo Oeconomicus a força de trabalho objetivada no produto que estou "degustando" não vale nada. Assim, a logo "Coca-Cola" transcende o trabalho objetivado do ser humano que a produz. ah! nada melhor do que uma Coca-Cola "estupidamente" gelada para saciar a "estúpida" vontade criada pelo desejo de se consumir.

A força ou "pulsão de vida" que eleva o instinto em detrimento do ser pensante, ou seja, o afloramento das vontades do animal homem para manter-lhe a existência biológica, declina ao quase ostracismo. O que vale é saciarmos aquilo que não nos é necessário para a manutenção da nossa vida biológica. O que vale é saciar a insaciável vontade solipso.

Previsível, quando pensamos que as forças produtivas avançaram extraordinariamente desde o momento que o homem cultivou sua primeira semente. Porém, o homem continua homem, mas o seu desejo foi totalmente (re)construído ideologicamente pelo perverso mercado. O mercado "esqueceu-se" (aqui vai uma prosopopeia: esquecer) que o único a remunerar o capital é ainda, e, acredito que sempre será o trabalho do pobre animal homem...

O assunto não termina aqui, é claro.... Marx ainda nos diz muito, o solipsismo também promete-nos uma realidade psíquica. Freud? ah, Freud! Ele também conseguiu ver, embora temesse o que fosse encontrar, que o homem é tão simples.... e o incompreensível é compreender que o homem precisa de tão pouco para viver!...

Atenciosamente,

Joandre Oliveira Melo

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