sábado, 3 de janeiro de 2009

TALVEZ...


Joandre Oliveira Melo

Talvez, quando eu me aposentar eu realmente me torne um homem ou, pelo menos me aproxime do que seja um homem; do que ele pode ser, fazer e sentir.
Por enquanto, sou apenas um pedaço de carne que anda, come, bebe, veste, faz sexo, ama, descansa, pensa. Enfim, apenas um pedaço de carne que vive para o sistema e que se consome em nome dele.

Talvez, eu não passe de gado; guiado pelas veredas que me levam a lugar nenhum. Pelo caminho, há apenas um pouco de palha para que eu possa comer e um pouco de água para beber.
Vejo outros como eu. porém gordos; movem-se freneticamente, comem grama fresca; muita, muita grama e vegetais que eu nem conheço e bebem águas claras que deságuam de enormes e refrescantes cascastas. Olho para trás e vejo outros como eu ou, talvez, até em piores condições; corpos chupados, andar trôpego, talvez mais do que o meu. Quando conseguem um pouco de palha, comem. Água! Só o que sobra do resfetalar-se do gado gordo.

E assim caminho; cada dia, é um dia a menos. Eu penso comigo: graças a Deus, um dia a menos....

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(*) Ilustração feita por Joandre Oliveira Melo, três de janeiro de 2009. A intenção era mostrar um burrinho puxando uma carroça transbordando cenouras, fresquinhas, e um fazendeiro a guiar o burrinho com destas suculentas cenouras. Porém, o burrinho jamais comerá a cenoura e nunca saberá o peso que está carregando nas costas.

2 comentários:

  1. Joandre, concordo com você quanto à comparação entre o seu texto TALVEZ... e o texto de Anaïs Nin, uma mulher que viveu intensamente suas paixões, sobretudo nas décadas de 30, 40 e 50, na maior parte do tempo em Paris (a cidade das paixões). Hoje, é muito difícil encontrar tempo para os verdadeiros prazeres da vida, se temos que trabalhar, trabalhar, trabalhar.

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  2. Quase dois anos já se passaram desde que você publicou este pequeno texto pela primeira vez e eu continuo gostando dele. E continuo achando também que não devemos esperar chegar a aposentadoria para começarmos a viver. Como viver? Continuo tentando descobrir.

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Agradeço pelo seu comentário.