quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

À minha mestra


À minha mestra, Maria Guilhermina Duarte, que durante o ano de 1986, nas aulas de literatura, incutiu em minha mente a grande dúvida do eterno movimento.

Como uma fada, com seu suave toque, abriu a caixa de Pandora e despertou os demônios que habitaram minh'alma e trouxeram à tona o desejo da dúvida e em suas peraltices trouxeram-me o conhecimento das artimanhas dos discursos. Com a luz do seu conhecimento aplainou o caminho indicando-me a direção para a busca da lendária pedra filosofal.

Confesso que a proposta de Heráclito, além de impor-me um grande desafio para compreender o que é e no momento seguinte não é mais; a cada instante, a cada batida do coração que já não era mais meu e que no instante anterior o era. Esse eterno devir dilacerou a minha visão da eternidade. Iniciou-me, em seguida, no grande problema do conhecimento do todo e da parte quão sutil estava exposto no poema de Gregório de Matos.

Como sei que és amante da música, não pude deixar de lembrar-me de ti quando lia a pequena passagem abaixo no livro de Marcel Proust: "No caminho de Swann".

Tentarei defenir em poucas palavras o momento da obra de Proust onde encontra-se a passagem em epígrafe: Swann sofre perdidamente por Odette, mulher que atiçou-lhe o mais nobre dos sentimentos que um homem pode ter por uma mulher. Com aquela malícia, natural de todas as mulheres, que fazem os homens se jogarem aos seus pés, seduzira o nobre Swann. Resgatara-o da letargia na qual viviam os solterões ricos da França do final do século XIX. Seu amor era como uma fogueira que aquecia-lhe a alma, até o momento em que Odette, sua grande paixão, despreza-o e passa a cortejar outros senhores. Mesmo diante dessa decepção Swann agitava-se com tudo que pudesse lembrar Odette. Era ela, agora, a senhora do seu destino. Como Beatriz para Dante, Odette o era para Swann. Longe de Odette vivia no limbo, próximo de Odette ou de algo que pudesse lembrá-la, estava no Paraíso.

Pois assim foi. Em uma festa da alta aristocracia Parisiense, onde Odette nunca poderia estar, já desliludido com o encontro. Desliludido, por ninguém saber ou se interessar pelo seu romance. Súbito, irrompeu-lhe uma grande alegria ao ouvir acordes de violinos em uma sonata. Como aqueles dos felizes encontros com Odette na casa dos Vinteuil. Doces reminiscências, há muito sufocadas, trazem-no um êxtase incomparável, assim Proust comovido pela situação de Swann, escreve:

Há no violino - quando não se vê o instrumento e não se pode ligar o que se ouve à sua imagem, coisa que modifica a sonoridade - acentos que lhe são tão comuns com certas vozes de contralto, que se tem a ilusão de que uma cantora veio ajuntar-se ao concerto. Erguemos os olhos e só vemos as caixas dos violinos, preciosas como estojos chineses, mas, por um momento, ainda nos iludimos com o enganoso apelo da sereia: às vezes também se julga ouvir um gênio cativo que se debate no fundo da sábia caixa, enfeitiçada e fremente, como um diabo numa pia d'água benta; ou então é no ar que o sentimos, como um ser sobrenatural e puro que passasse desenrolando a sua invisível mensagem.(PROUST, Marcel. 1982. p. 202)

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Referências bibliográficas

PROUST, Marcel. No caminho de Swann. Trad. Mário Quintana. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
(*) A imagem acima, Homens em seu atelier fabricando violinos. disponível em http://www.orkestkidsite.nl/kidsitejpg/stradivarius.jpg, 21/01/2009 23:59

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