quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Sobre professores apaixonados.

Por Joandre Oliveira Melo

Durante o nosso curso de graduação, estivemos várias vezes nas escolas públicas para executarmos nosso estágio supervisionado. O estágio supervisionado, como disciplina dos cursos de graduação em licenciatura, visa introduzir o aluno na realidade das escolas, local onde desempenharão suas atividades. Esse contato acompanhado de uma abordagem teórica amplia a visão do aluno, futuro professor, enquanto ele exercita as técnicas apresentadas durante o curso.

No meu período de estágio, nas escolas públicas, pude comprovar o quanto a nossa educação decai. A cada ano vemos um crescente declínio na qualidade da educação, nos investimentos e principalmente na idéia de educação. Para as crianças de hoje, a educação não é mais fundamental. A completa ridicularização e alienação da cultura, substituída por uma “pseudocultura”, às vezes inútil, alienante, onde as ideologias capitalista forjam os comportamentos guiando seus adeptos para o consumo, a satisfação desenfreada de prazeres imediatos está contribuindo, em minha opinião, para a derrocada da nossa educação. Todo esse aparato seduz os alunos, movendo o foco de suas expectativas para os atrativos modernos.

Por outro lado, observei que os professores, completamente desestimulados não correspondem às demandas dos alunos. Estão apáticos, não inspiram seus alunos a buscar o saber, as delícias do descobrir, da curiosidade, o regozijar da compreensão. São carrancudos, desinteressados, às vezes mercenários, acima de tudo, constatei que tratam o ensino como uma mera profissão. Existe ainda a questão da remuneração que é um fator para tal desencorajamento.

Como disse acima, cheguei a pensar que toda essa degradação do ensino fosse um sinal dos tempos, "na minha época não era assim...". No entanto, em uma de minhas leituras, deparei-me com um relato sobre os professores da década de 40 nos Estados Unidos. O depoimento é do professor de Astronomia e ciências espaciais da Cornell University, Carl Sagan(1934-1996). Autor de dezenas de artigos de livros científicos e autor de Best-Sellers como o livro "Cosmos". Astrônomo respeitado e crítico ferrenho das consideradas “pseudociências”. Abaixo transcrevo um parágrafo da sua obra, "O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro". O que posso notar é que o meu sentimento foi traduzido nas linhas abaixo, infelizmente:

"Gostaria de poder lhes contar sobre professores de ciências inspiradores nos meus tempos de escola primária e secundária. Mas, quando penso no passado, não encontro nenhum. Lembro-me da memorização automática da tabela periódica dos elementos, das alavancas e dos planos inclinados, da fotossíntese das plantas verdes, e da diferença entre antracito e carvão betuminoso. Mas não me lembro de nenhum sentimento sublime de deslumbramento, de nenhum indício de uma perspectiva evolutiva, nem de coisa alguma sobre idéias errôneas em que outrora todos acreditavam. Nos cursos de laboratório na escola secundária, havia uma resposta que devíamos obter. Ficávamos marcados, se não a conseguíamos. Não havia material visivelmente interessante. O ano escolar acabava sempre antes de chegarmos até aquele ponto. Podiam-se encontrar livros maravilhosos sobre astronomia nas bibliotecas, por exemplo, mas não na sala de aula. A divisão pormenorizada era ensinada como uma receita culinária, sem nenhuma explicação sobre como essa seqüência específica de pequenas divisões, multiplicações e subtrações conseguia conduzir à resposta certa. Na escola secundária, a extração da raiz quadrada era dada com reverência, como se fosse um método entregue outrora no monte Sinai. A nossa tarefa era simplesmente lembrar os mandamentos. Obtenha a resposta correta, e esqueça se você não compreende o que está fazendo. Tive um professor de álgebra muito competente, no segundo ano, com quem aprendi muita matemática; mas ele era também um valentão que gostava de fazer as meninas chorarem. Meu interesse pela ciência foi mantido durante todos esses anos escolares pela leitura de livros e revistas sobre a realidade e a ficção científicas."(SAGAN, Carl, 1996, p. 13-14)

A impressão de Carl Sagan foi, na maioria das vezes, compartilhada por mim durante o período de estágio nas Escolas do ensino público de Pará de Minas. Entretanto, cabe a nós professores descobrirmos novos caminhos para solucionar o problema da educação e provocar nos alunos aquele desejo gostoso de aprender, de entender, de querer buscar.


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Referências Bibliográficas

SAGAN, Carl. Prefácio - Meus professores. In.: O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. Trad. Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. (pp. 13-14)

2 comentários:

  1. Joandre, gostei muito desse seu texto sobre a Educação. Concordo plenamente com você. Poucos são aqueles que hoje decidem fazer um curso de licenciatura, pois sabem que qualquer outra vaga oferecida através de concursos públicos de NÍVEL MÉDIO paga melhor do que o salário do professor de escolas públicas no Brasil. Não há estímulo, não há interesse, e o que revolta mais são as propagandas que o Estado tenta enfiar na cabeça do povo dizendo que a Educação vai bem, que temos não sei quantos mil alunos em sala de aula, etc. Mas e a qualidade do ensino? E a contribuição que a Educação deveria dar para a formação de cidadãos críticos, analíticos, capazes de refletir sobre a realidade social? E o professor? As propagandas não mencionam a qualidade do professor. A gente sabe que grande parte dos professores das escolas públicas estão desmotivados, não lêem, não estudam, simplesmente cumprem uma obrigação. E os concursos não selecionam, pois a grande maioria dos que fazem concursos para serem professores não está bem preparada [é claro que existem exceções], não foi bem formada, e assim reproduzimos na sociedade a mediocridade, que leva ao consumismo e à formação de verdadeiras marionetes do sistema capitalista, pessoas incapazes de refletir criticamente sobre a realidade em que vivem, incapazes de interpretar um texto [ou mesmo de ler um texto e entendê-lo minimamente]. É o caos. Sem uma Educação de qualidade o país não cresce, não há justiça social, não há Democracia nem Cidadania. Por tudo isso, depois de ter feito um curso de licenciatura por vocação, por vontade de ensinar, por paixão, entre 1994 e 1997 [curso que levei muito a sério, com muito estudo e dedicação]; depois de um doutorado, durante o qual fiz muita pesquisa, mas sempre pensando no Ensino, na melhor maneira de passar tudo aquilo para meus alunos, entre 1998 e 2002; depois de quase 6 anos me dedicando ao Ensino, decidi, aos 32 anos, buscar uma outra profissão. É claro que não vou abandonar o Ensino [pelo menos não quero abandonar], mas vou buscar outra coisa que abra mais o leque de oportunidades para mim no futuro e que seja algo que eu goste também [ou que eu possa vir a gostar], que é a carreira jurídica. Acabo de passar no Vestibular de Direito-diurno da Universidade de Itaúna e vou começar o curso em 2008. Meu objetivo maior é lecionar direito, mas se não for possível, pretendo advogar e prestar concurso. É isso. Cansei.
    Um abraço,
    Flávio.

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  2. Para mudar o que está aí, há vários modos. Um é remar, outro é mergulhar, isto é pular para fora do barco, outro seria cruzar os braços e esperar o barco afundar. Qual será o seu caminho? Só não podemos perder nossa capacidade de indignação, e ainda manter nosso olhar em algum ponto do horizonte. Também tenho vontade de escolher outro caminho, outra profissão... mas qual? Não sou uma ilha!!! Se eu não continuar apaixonado com a educação e também cansar, ai talvez é que a coisa não muda!!!
    Não vejo outro caminho, e nem se há caminho!!!! Talvez eu seja também mais um professor mediocre!!!
    Fonte

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