Em sua crítica ao autoritarismo e a submissão do Homem moderno às seduções do mercado, da alienação e do consumismo desenfreado, Adorno combate o conhecimento iluminista que, na sua concepção, desmistifica o mundo submetendo tudo, através da razão, ao crivo da ciência. Destarte, o conhecimento considerado libertador do obscurantismo no qual a humanidade estava imersa, foi subjugado pela ideologia burguesa e amalgamado aos processos de produção da indústria florescente, fornecendo as bases para o aparecimento de um mercado de consumo de massa fundando a moderna sociedade.
Abaixo texto de Adorno:
Apesar de alheio à matemática, Bacon captou muito bem o espírito da ciência(...) o entendimento,(...) deve ter voz de comando sobre a natureza desenfeitiçada. (...) O saber que é poder não conhece limites. Esse saber serve aos empreendimentos de qualquer um, sem distinção de origem, assim como, na fábrica e no campo de batalha, está a serviço de todos os fins da economia burguesa. (...) A técnica é a essência desse saber. Seus objetivos não são os conceitos ou imagens nem a felicidade da contemplação, mas o método, a exploração do trabalho dos outros, o capital. Por sua vez, as inúmeras coisas que, Segundo Bacon, ainda são guardadas nele não passam de instrumentos: o rádio, enquanto impressora sublimada, o avião de combate, enquanto artilharia eficar, o telecomando, enquanto bússola de maior confiança. O que os homens querem aprender da natureza é como aplicá-la para dominar completamente sobre ela e sobre os homens. (...) Sem escrúpulos para consigo mesmo, o iluminismo incinerou os últimos restos da sua própria consciência de si. Só em pensar que faz violência a si próprio é suficientemente duro para quebrar os mitos. Diante do triunfo atual do tino para os fatos, até mesmo o credo nominalista de Bacon seria suspeito de ser ainda uma metafísica e cairia sob o veredito de futilidade que ele próprio pronunciou contra a escolástica. Poder e conhecimento são sinônimos. A felicidade estéril, provinda do conhecimento, é lasciva tanto para Bacon como para Lutero. O que importa não é aquela satisfação que os homens chamam de verdade, o que importa é a operation, o proceder eficaz. "O verdadeiro objetivo e serventia da ciência" não reside nos "discursos plausíveis, deleitantes, veneráveis, que fazem efeito, ou em quaisquer argumentos intuitivamente evidentes, mas sim no desempenho e no trabalho, na descoberta dos fatos particulares anteriormente desconhecidos que nos auxiliem e nos equipem melhor na vida". Portanto, nenhum mistério há de restar e, tampouco, nenhum desejo de revelação.
O desenfeitiçamento do mundo é a erradicação do animismo. Xenófanes zomba do smuitos deuses, por serem eles semelhantes aos homens, que os produziram, no que estes têm de acidental e de pior, e a lógica mais recente denuncia as palavras em que se cunha a linguagem, como moedas falsas, que melhor seria se fossem substituídas por fichas neutras de um jogo. O mundo vira caos e a síntese é a salvação. Entre o animal totêmico, os sonhos de um visionários e a idéia absoluta, não cabe nenhuma diferença. Caminhando em busca da ciência moderna, os homens se despojam do sentido. Eles substituem o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade. A noção de causa foi o último conceito filosófico a entrar no acerto de contas da crítica científica e, por ser o único que ainda comparecia perante a ciência, era por assim dizer a secularização mais tardia do princípio criador. Desde Bacon, um dos objetivos da filosofia era o de redefinir, em conformidade com o espírito do tempo, substãncia, qualidade, ação e paixão, ser e existência; mas a ciência se safou, mesmo sem tais categorias. Elas ficaram para trás, como Idola Theatri da velha metafíscia; e, memso no tempo dessa última, já eram elas mementos de entidades e potências de ante-passado, que tinham, nos mitos, vida e morte explicitadas e entrelaçadas. As categorias, nas quais a filosofia ocidental determinara sua eterna ordem da natureza, marcavam os lugares, antigamente ocupados por Ocnos e Perséfone, Ariadne e Nereu. As cosmologias pré-socráticas fixam o momento de transição. A umidade, o indiferenciado, o ar, o fogo, nelas tratados como material primitivo da natureza, são justamente sedimentações meramente nacionalizadas da visão mítica do mundo. Assim como as imagens da criação a partir do rio e da terra, imagens que chegaram do Nilo até os gregos, tornaram-se aqui princípios hilozoísticos, elementos, assim também a profusa ambigüidade dos demônios míticos se espiritualizou nas formas puras das essências ontológicas. Pelas idéias platônicas, o logos filosófico finalmente também toma conta dos deuses patriarcais do Olimpo. Mas, reconhecendo as antigas potências na herança platônico-aristotélica da metafísica, o iluminismo combateu a pretensão à verdade dos universais, como superstição. Ele julga ver ainda, na autoridade dos conceitos universais, o medo dos demônios, por meio de cujas imagens os homens procuravam, no ritual mágico, influir na natureza. A partir de agora, a matéria deverá finalmente ser dominada, sem apelo a forças ilusórias que a governem ou que nela habitem sem apelo a propriedades ocultas. O que não se ajusta às medidas da calculabilidade e da utilidade é suspeito para o iluminismo. Uma vez que pode desenvolver-se sem ser pertubado pela opressão externa, nada mais há que lhe possa servir de freio. Com as suas próprias idéias sobre os direitos humanos acontece o mesmo que acontecera com os antigos universais. Cada resitência espiritual que ele encontra serve apenas para multiplicar a sua força. Isso se explica pelo fato de que o iluminismo se auto-reconhece até mesmo nos mitos. Quaisquer que sejam os mitos para os quais essa resistência possa apelar, esse mitos, pelo simples fato de se tornarem argumentos numa tal contestação, aderem ao princípio da racionalidade demolidora pela qual censuram o iluminismo. O iluminismo é totalitário.
(*) Imagem: heodor Adorno (1903-1969), disponível em: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2003/09/08/000.htm, 21/03/2008, 16:00hs
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Referências Bibliográficas ADORNO, Theodor W. Conceito de Iluminismo. In.: Theodor W. Adorno - Vida e Obra. Coleção: Os pensadores. São Paulo: Ed. Nova Cultural Ltda, 1999. (pp. 18-20)
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