quarta-feira, 12 de maio de 2010

Malba Tahan e o homem que calculava

Júlio César de Melo Souza, mais conhecido pelo seu heterônimo incrivelmente longo: Ali Iezid Izz-Edim Ibn Salim Hank Malba Tahan. Criou uma não menos incrível obra sobre matemática.

Em o homem que calculava, que li com grande prazer, apesar de não ser muito atraído pela intrincada e magnifica linguagem matemática, encontrei a passagem pitoresca e ao mesmo tempo intrigante que relatarei agora.

No início de sua obra, Malba Tahan, como gostava de ser conhecido, evoca os saberes do Ocidente e roga a Alá por sua clemência:

À memória dos sete grandes geômetras cristãos ou agnósticos: Descartes, Pascal, Newton, Leibnitz, Euler, Lagrange, Comte, (Allah se compadeça desses infiéis), e à memória do inesquecível matemático, astrônomo e filósofo muçulmano, Buchafar Mohamed Abenmusa Al Kharismi, (Allah o tenha em sua glória!), e também a todos os que estudam, ensinam ou admiram a prodigiosa ciência das grandezas, das formas, dos números, das medidas, das funções, dos movimentos e das forças, eu, el-hadj xerife Ali Iezid Izz-Edim ibn Salim Hank Malba Tahan (crente de Allah e de seu santo profeta Maomé), dedico esta desvaliosa página de lenda e fantasia.
De Bagdá, 19 da Lua de Ramadã de 1321.

No Capítulo III, Beremiz Samir narra a aventura dos trinta e cinco camelos e do lucro que obtiveram, além da benquerença dos envolvidos na querela.

Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista. Encontramos perto de um antigo caravançará1 meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos. Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos: - Não pode ser! - Isto é um roubo! - Não aceito! O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava. - Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos como herança esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte, e, ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos, e, a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça e a nona parte de 35 também não são exatas? - É muito simples – atalhou o Homem que Calculava. – Encarrego-me de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal que em boa hora aqui nos trouxe! Neste ponto, procurei intervir na questão: - Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viajem se ficássemos sem o camelo? - Não te preocupes com o resultado, ó Bagdali! – replicou-me em voz baixa Beremiz – Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar. Tal foi o tom de segurança com que ele falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal,2 que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros. - Vou, meus amigos – disse ele, dirigindo-se aos três irmãos -, fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora, como vêem em número de 36. E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou: - Deverias receber meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão. E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou: - E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação. E disse por fim ao mais moço: E tu jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber uma nona parte de 35, isto é 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado! E concluiu com a maior segurança e serenidade: - Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir – partilha em que todos três saíram lucrando – couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34 camelos. Dos 36 camelos, sobram, portanto, dois. Um pertence como sabem ao bagdáli, meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança! - Sois inteligente, ó Estrangeiro! – exclamou o mais velho dos três irmãos. – Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade! E o astucioso Beremiz – o Homem que Calculava – tomou logo posse de um dos mais belos “jamales” do grupo e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia: - Poderás agora, meu amigo, continuar a viajem no teu camelo manso e seguro! Tenho outro, especialmente para mim! E continuamos nossa jornada para Bagdá.
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Referência
Excerto extraído do livro "O homem que calculava" por Malba Tahan (Júlio César). Disponvível em: http://www.cdb.br/prof/arquivos/17272_20080312114624.pdf. 12/05/2010 as 23:22.

(*) Imagem obtida em: http://www.mat.ufrgs.br/~portosil/malba.jpg, disponível: 12/05/2010 23:32.

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