sábado, 11 de abril de 2009

No momento do "sim"


Por Joandre Oliveira Melo

Lembro-me bem daquele oito de junho de 1987; a tarde agonizava, eu me sentei na relva do campo de treinamento da Escola de Formação Profissional, em Sete Lagoas. Há pouco admitido de uma grande empresa. Passava das cinco e eu observava os outros alunos recolherem as escadas e suas ferramentas ao almoxarifado. Enquanto observava, uma miríade de pensamentos povoava minha mente. Eu tinha apenas dezoito anos, era a primeira vez longe da minha família. Primeiro, uma incerteza abateu-se sobre mim: O que eu fazia ali? Pensava comigo. Logo eu, que não sabia consertar um interruptor e nunca havia trocado sequer uma resistência de um chuveiro elétrico. E agora, distante dos carinhos de minha mãe e dos mimos de minha namorada. O mundo abria-se para mim; os limites que conhecia alargavam-se, ele parecia bem maior, os horizontes que avistava, agora, já não eram mais os da minha pequena cidade no interior de Minas, respirava novos ares, pisava em terras desconhecidas, vislumbrava novas possibilidades. Todos esses pensamentos atormentavam minha mente e desencadeavam incertezas e angústias.

Por outro lado, todo esse turbilhão de dúvidas que pairavam sobre mim aquecia meu espírito jovem como um raio sol em uma manhã de inverno. Aos poucos toda a inquietação transmutava-se em um inelutável desejo de aventura, uma alegria jovial tomava conta de mim; afinal, estava empregado em uma das maiores empresas do país e o meu futuro não estava escrito, ainda, mas eu poderia escrevê-lo como quisesse. Naquele momento decidi: quero ser um grande profissional, talvez um engenheiro ou economista. A matemática maravilha-me com suas proposições e seus corolários, suas fórmulas perfeitas, tudo muito exato, por outro lado, a história e o pensamento econômico atraiam-me irresistivelmente para suas teorias, sem números, mas como obras de arte da linguagem. Sentia-me dividido. Desejei ser um excelente profissional e almejava, logo que concluísse o ensino médio, ascender-me à carreira de auxiliar de engenharia e, então, estaria pronto para seguir adiante. Permaneci ali, estático, por algum tempo e as negras nuvens da incerteza desfizeram-se cedendo lugar a uma calmaria, um misto de sentimentos repletos de esperanças.

Assim que conclui o curso profissionalizante fui enviado para Divinópolis, sede da regional de minha cidade. Apresentei-me ao Sr. Grecco. Um homem no auge dos seus quarenta e poucos anos, voz grave e firme. Ele apresentou-nos o diagrama da empresa e deu-nos a notícia esperada: em qual unidade trabalharíamos. Com um pouco de sorte fui encaminhado para minha cidade natal; era agosto de 1987. Lá comecei a trabalhar como aprendiz. Alguns meses depois chegava minha efetivação. Esse era o momento mais esperado para um aprendiz; agora era oficial, estava pronto para desempenhar a minha função.

Cerca de um ano se passou; a labuta e os desafios diários faziam-me amadurecer dia a dia. Foi quando eu e minha namorada ficamos noivos e marcamos o casamento para o ano seguinte. A data era início de novembro de 1989, estava com vinte anos, muitas dúvidas e pouca experiência acompanhavam-me. Foi quando tudo aconteceu.

O grande dia chegou. Era primavera, amanheceu claro e quente. A manhã estava radiante, como todas as manhãs de sábado em minha cidade, além disso, seria o dia do nosso casamento, tudo conspirava a favor.

O dia começou agitado: última prova da roupa, os convidados, presentes que não paravam de chegar. Tudo corria bem, só não notei que o calor aumentava a galopes. Assim passaram-se as horas e o grande momento se aproximava. Tudo era festa e, calor...

Chegado o momento; partimos da casa de meus pais eu, meus convidados e amigos, todos seguiam o séquito nupcial. Ao chegarmos à igreja, inspecionei visualmente, pela última vez, a decoração, conferi as alianças e pus-me a aguardar a noiva.

Enquanto a aguardava, já avançada a hora e como ela não chegara, comecei a pensar: e se ela desistisse? Mas, esse pensamento logo dissipou-se com a chegada dos meus amigos. Todos cumprimentavam-me, não faltaram aqueles que arriscavam uma piadinha ou um dito popular.

Em seguida, chegou minha noiva. Ela ficou aguardando no carro para que eu não a visse. Superstição tola, mas ela acreditava muito nisso. Ouvi a minha música de entrada, minha mãe logo agarrou meu braço, desmanchando-se em sorrisos; não sei se eram sinceros – as mães tem arraigados dentro de si aquele sentimento de que os filhos nunca crescem e que devem sempre viver debaixo de seus olhares e cuidados, além disso: eu era, ainda, muito novo para me casar resmungava sempre quando contava algo sobre os preparativos do casamento –, o fato era que sorria. Meu pai sentara-se nos primeiros bancos junto aos meus padrinhos e familiares e minha irmã caçula. A igreja estava cheia. Ao toque do órgão, todos se levantaram e nós, eu e minha mãe, pusemo-nos a caminho do altar. Mas, quando estava a meio caminho, ouvi um forte vento que começara a soprar do lado de fora da igreja. Logo pensei que aquele vento e o longo período sem chuvas trariam algo inesperado. Ainda não terminara de pensar, ouvi um corre-corre no fim da igreja e nas janelas laterais. Todos corriam para se proteger e a fechar as janelas. Parecia que Deméter exauria, toda a sua tristeza, em lágrimas. Minha noiva já estava de pé sob o arco da porta de entrada, ela e seu pai ao verem como o vento soprava alucinante, correram para o interior da igreja. Lá fora o vento soprava, assobiava e açoitava as sibipiras. Pensei comigo: logo teremos uma queda de energia – as primeiras chuvas sempre provocam apagões nessa época do ano.

Sem mais transtornos, a cerimônia prosseguiu, contudo, as condições do tempo pioravam a cada momento, agora, uma forte chuva acompanhava o vento. Os relâmpagos serpenteavam no céu desempanando na sua breve existência, grossas e escuras nuvens. Notei que os meus amigos estavam inquietos, pressentiam que algo aconteceria. E a chuva caia impiedosa sobre a cidade, logo as ruas próximas estavam tomadas pelas águas. Todos ficaram sobressaltados ao primeiro piscar das lâmpadas.

Apesar da luz estremecida das lâmpadas, a cerimônia prosseguia; o padre, muito calmo, lia pacientemente o seu missal. A cerimônia já estava adiantada, era chegado o momento decisivo do “sim”. O padre voltando-se para a minha noiva pronunciou o conhecido discurso inquirindo-a . Ela logo respondeu: “sim”. Nesse exato momento um raio precipitou-se sobre a cidade, seguido de um estrondo ensurdecedor. Minha noiva, trêmula, agarrou-se fortemente a minha mão. Podia sentir suas mãos frias e trêmulas. Alguns segundos depois, todas as luzes se apagaram; desta vez foi definitivo. A cidade inteira ficou as escuras, a iluminação pública não acendeu mais. Fora o último pulsar das redes elétricas. A escuridão inundou a igreja, um ar austero e medieval abraçava-nos como um coberto negro.

O tumulto foi geral, todos conversavam ao mesmo tempo, alguma mulheres, mais beatas, apertavam as contas de seus rosários entre os indicadores e os polegares, erigindo preces aos céus suplicando a clemência de Deus. Aos poucos aquela confusão foi dissipando-se. Então o padre manifestou; pediu calma e que acendessem as velas que se encontravam nos candelabros, algumas dezenas delas foram acesas e alguns minutos depois tudo estava calmo. Foi nesse momento que o padre soltou uma galhofa: - É muito mais romântico um casamento à luz de velas. Todos riram, e ele continuou a celebração ... Era a minha vez de dizer o “sim”, lembram-se?

O padre pronunciou a tradicional prédica e me dirigiu a palavra; como segurava a mão de minha noiva pude sentir sua apreensão, acho que talvez temesse que eu não dissesse o “sim”, naquela situação, ou, ainda, encontrava-se abalada pelo acontecido. Porém, eu disse “sim” e fiquei aguardando novo estrondo, mas nada aconteceu somente ouvi o crepitar das velas se consumindo.

Os procedimentos tradicionais foram executados e deixamos o altar, lideramos o séquito em direção à porta de saída da igreja ao som de apenas uma flauta doce que um dos músicos tocava. Todos os outros instrumentos e as caixas de som eram elétricos, portanto, não podiam ser usados.

Assim ganhamos a entrada da igreja, onde receberíamos os cumprimentos. De lá tive uma visão aterrorizante; chovia a cântaros, do alto da Igreja avistei as ruas alagadas, a cidade às escuras. Uma legião de galhos e folhas espalhados pela rua, várias árvores completamente desgalhadas. A correnteza da enxurrada impedia-nos de deixar a Igreja. Assim, ficamos ali, conversando e recuperando-nos do susto.

Essa foi a minha história apesar dos acontecimentos, casei-me...

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(*) Imagem disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/cb/Bride_and_groom_signing_the_book.jpg - em 11/04/2009 - 22:14

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