terça-feira, 5 de outubro de 2010

Primeiro Conto Breve: A notícia

Era uma mulher loura, de uns 40 anos, provavelmente alemã. Chamava-se Gertrudis, e dizia o seguinte:

-- Os dragões me devoraram sete vezes, mas sempre tiveram que me vomitar.
-- Ah! -- disse o jornalista gentilmente, guardando seu bloco de notas. -- E por quê, senhora?

O residente que acompanhava o jornalista sorriu ao ouvir a palavra "senhora".

-- Porque sou uma deusa -- disse a senhora Gertrudis.
-- Uma deusa -- disse o jornalista.
-- Isso mesmo. Olhe -- confiou a senhora Gertrudis mostrando o espaço em volta, com um movimento muito delicado do braço. -- Por mim caem todas as folhas do outono. Vejam como elas caem.

O jornalista viu. O pátio do manicômio estava cheio de árvores, e das árvores caíam milhares de folhas secas. Atrás dos muros havia outras árvores e delas também caíam folhas, numa silenciosa, infindável, inundação. O jornalista viu que caíam por toda parte ao mesmo tempo, talvez no mundo todo, e se perguntou como ia fazer para dar uma notícia daquelas.

Disse:

-- Por favor, senhora, baixo o braço.

A senhora Gertrudis, com pesar, baixou o braço. O ar se tornou de novo limpo e puro, e o jornalista ficou contente por não ter que dar uma notícia tão estranha.
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Texto publicado na Folha de S. Paulo, domingo, três de outubro de 2010, no caderno Ilustríssima p. 8.
Sobre o texto: Publicados na revista argentina "Leoplán", em 1964, estes minicontos teriam, segundo o autor, "uma remota dívida com Borges, mas principalmente com Macedonio Fernández, o pai de todos os humoristas argentinos". Não figuram na edição de "Essa Mulher" (Ed. 34). Rodolfo Walsh, Tradução Rubia Prates Goldoni.Extraído da Folha de S. Paulo

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