domingo, 2 de agosto de 2009

Devaneios de uma noite sem dormir...


Joandre Oliveira Melo

Vocês já passaram por aquelas intermináveis noites, quando não conseguimos dormir e irritados com o dia amanhecendo a hora de se levantar para trabalhar aproximando-se a cada toque do despertador sobre o criado-mudo - com seu tic-tac insolente que parece zombar de nosso infortúnio, adentra a madrugada? Você sabe que o cansaço o abaterá sem piedade durante as longas horas de trabalho no dia seguinte.
Numa dessas terríveis noites, que me acometem frequentemente, comecei a pensar sobre mim. Sobre o que eu poderia ser, o que estaria escondido dentro de mim e além de mim; o quanto de mim vibrava lá fora. Enquanto pensava, ouvia, ao longe, o cricrilar de um grilo; parecia o som de um ser galhofeiro. Será que está ele também a galhofar do meu infortúnio ou sou eu quem atribuo essa qualidade ao seu canto? Pobre grilo; está apenas a passar o tempo até o findar da noite.
Era uma noite sem lua e a escuridão envolvia a cidade que dormia alheia aos meus sentimentos. Era noite na cidade, independente do que pensasse ou desejasse; era só a noite e eu numa angústia nietzscheniana. Logo, acudiram-me pensamentos noturnos, devaneios. Pensei na dama da noite, senhora suprema da escuridão: a escuridão metamorfoseou-se em mortalha.
E o silêncio vazio dos ruídos do dia – apenas aquele som irritantemente agudo daquele grilo galhofeiro – trazia-me à mente os atores do teatro das sombras, cuja a atriz principal era a morte.
É interessante a ideia de que exista algo além da morte; não sei se é ideia ou necessidade. De outro modo caímos no existencialismo: - Existo; e sei que existo, porém, caminho para o nada. Apenas a existência me basta.
O que me angustia é que eu sei que existo e caminho para a morte, eu tenho consciência disto; porém, não posso saber (comprovar) que haja algo além da morte. Talvez por que não haja, ou talvez por que consciente da minha existência e tão apegado a ela, não consiga idealizar outra existência ou estado que não este, do qual sou prisioneiro.
As paixões me movem vida afora. O medo do “definitivo” me traz tanto terror quanto o relativismo da mudança. No entanto, o “definitivo” na vida é a constante mudança e, só assim, observando e sentindo as mudanças é que tenho consciência que existo. Afinal só quem existe muda; quem não existe, é definitivo.
O que não daria para poder tocar, sentir ou entender o que está além. Se sou poeira de estrelas e sei disto porque tenho consciência, logo faço parte dele (Universo); e, se torno-me parte consciente, não passo de apenas uma parte dele pensando sobre si mesmo. Assim, não existo, senão em potência. Por outro lado, talvez não deva mesmo tocar, sentir ou entender o que está além de minha compreensão.
Vem-me, à memória, algo que li há algum tempo; talvez, seja Hegel explanando sobre o ser-em-si e o ser-para-si. Se sou - porque sei que existo e ouço o sibilar de grilos, ecoando pela noite - e tenho consciência de mim, eu sou eu e o universo é o universo. Mas, se sou parte dele, enquanto poeira de estrelas o universo é o todo, em mim está o todo. Mas, não sou apenas a parte mais minúscula e desprezível do todo, pois, eu sou ser-para-mim. Neste mesmo terreno onde ergue-se a matéria do todo, deste mesmo chão que me sustenta e brotam todas as coisas, inclusive eu. Mas eu as conheço e as compreendo e sei que não estou nelas; é como se eu fosse eu e as coisas elas mesmas. Estar consciente de mim torna-me diferente em relação às coisas como as coisas o são para mim.
Além das coisas, além da consciência-para-mim, existe o nada. Apenas o nada! E o nada existe por si só. Do nada não se pode extrair a consciência. O nada não pode pensar em si mesmo. Ele é-o-que-é.

Para ir além, é preciso assumir que eu existo e continuarei existindo como parte do todo sem cair no abismo do nada; pelo menos durante um intervalo de “tempo”. Mas, só posso conceber, devido a minha existência "natural", aquilo que é considerado "natural", logo, o nada não pode ser concebido, pois está além de tudo o que é.
Destarte, a sua existência (existência do nada) deve anteceder a existência do todo: ou será que o nada é apenas a não existência do todo?

Um comentário:

  1. Muito bom o seu texto. Às vezes, algo parecido acontece comigo.
    Um abraço,
    Flávio

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