Joandre Oliveira Melo
Vocês já passaram por aquelas
intermináveis noites, quando não conseguimos dormir e irritados com o dia
amanhecendo a hora de se levantar para trabalhar aproximando-se a cada toque do
despertador sobre o criado-mudo - com seu tic-tac insolente que parece zombar
de nosso infortúnio, adentra a madrugada? Você sabe que o cansaço o abaterá sem
piedade durante as longas horas de trabalho no dia seguinte.
Numa dessas terríveis noites, que me
acometem frequentemente, comecei a pensar sobre mim. Sobre o que eu poderia
ser, o que estaria escondido dentro de mim e além de mim; o quanto de mim
vibrava lá fora. Enquanto pensava, ouvia, ao longe, o cricrilar de um grilo;
parecia o som de um ser galhofeiro. Será que está ele também a galhofar do meu infortúnio
ou sou eu quem atribuo essa qualidade ao seu canto? Pobre grilo; está apenas a
passar o tempo até o findar da noite.
Era uma noite sem lua e a escuridão
envolvia a cidade que dormia alheia aos meus sentimentos. Era noite na cidade,
independente do que pensasse ou desejasse; era só a noite e eu numa angústia
nietzscheniana. Logo, acudiram-me pensamentos noturnos, devaneios. Pensei na
dama da noite, senhora suprema da escuridão: a escuridão metamorfoseou-se em
mortalha.
E o silêncio vazio dos ruídos do dia –
apenas aquele som irritantemente agudo daquele grilo galhofeiro – trazia-me à
mente os atores do teatro das sombras, cuja a atriz principal era a morte.
É interessante a ideia de que exista
algo além da morte; não sei se é ideia ou necessidade. De outro modo caímos no
existencialismo: - Existo; e sei que existo, porém, caminho para o nada. Apenas
a existência me basta.
O que me angustia é que eu sei que
existo e caminho para a morte, eu tenho consciência disto; porém, não posso saber
(comprovar) que haja algo além da morte. Talvez por que não haja, ou talvez por
que consciente da minha existência e tão apegado a ela, não consiga idealizar
outra existência ou estado que não este, do qual sou prisioneiro.
As paixões me movem vida afora. O medo
do “definitivo” me traz tanto terror quanto o relativismo da mudança. No
entanto, o “definitivo” na vida é a constante mudança e, só assim, observando e
sentindo as mudanças é que tenho consciência que existo. Afinal só quem existe
muda; quem não existe, é definitivo.
O que não daria para poder tocar, sentir
ou entender o que está além. Se sou poeira de estrelas e sei disto porque tenho
consciência, logo faço parte dele (Universo); e, se torno-me parte consciente,
não passo de apenas uma parte dele pensando sobre si mesmo. Assim, não existo,
senão em potência. Por outro lado, talvez não deva mesmo tocar, sentir ou
entender o que está além de minha compreensão.
Vem-me, à memória, algo que li há algum
tempo; talvez, seja Hegel explanando sobre o ser-em-si e o ser-para-si. Se sou
- porque sei que existo e ouço o sibilar de grilos, ecoando pela noite - e
tenho consciência de mim, eu sou eu e o universo é o universo. Mas, se sou
parte dele, enquanto poeira de estrelas o universo é o todo, em mim está o
todo. Mas, não sou apenas a parte mais minúscula e desprezível do todo, pois,
eu sou ser-para-mim. Neste mesmo terreno onde ergue-se a matéria do todo, deste
mesmo chão que me sustenta e brotam todas as coisas, inclusive eu. Mas eu as
conheço e as compreendo e sei que não estou nelas; é como se eu fosse eu e as
coisas elas mesmas. Estar consciente de mim torna-me diferente em relação às
coisas como as coisas o são para mim.
Além das coisas, além da
consciência-para-mim, existe o nada. Apenas o nada! E o nada existe por si só.
Do nada não se pode extrair a consciência. O nada não pode pensar em si mesmo.
Ele é-o-que-é.
Para ir além, é preciso assumir que eu
existo e continuarei existindo como parte do todo sem cair no abismo do nada;
pelo menos durante um intervalo de “tempo”. Mas, só posso conceber, devido a
minha existência "natural", aquilo que é considerado
"natural", logo, o nada não pode ser concebido, pois está além de
tudo o que é.
Destarte, a sua existência (existência do nada) deve anteceder a existência do todo: ou será que o nada é apenas a não existência do todo?
Destarte, a sua existência (existência do nada) deve anteceder a existência do todo: ou será que o nada é apenas a não existência do todo?
Muito bom o seu texto. Às vezes, algo parecido acontece comigo.
ResponderExcluirUm abraço,
Flávio