terça-feira, 20 de outubro de 2009

História "não-factual" e "contra-factual"

Por Joandre Oliveira Melo
Há algumas semanas escrevemos sobre a abordagem de alguns historiadores relacionada com a história “contra-factual”; ou seja, é a liberdade do historiador em divagar sobre os fatos, como resultados das circunstâncias e ações anteriormente criadas, e, que, por outro lado, poderiam ser diferentes ou, até mesmo, não existirem.

Simplificando: são suposições sobre a objetivação dos fatos; caso algo diferente tivesse acontecido, distorcendo ou mesmo inviabilizando os seus desfechos.
Mas, como em história suposições não têm a força dos fatos, esse exercício fica restrito àquele que estiver analisando o fato.

Pois bem, Paul Veyne, renomado historiador e escritor francês, amigo de Michel Foucault, outro grande ícone da elite intelectual francesa e célebre por suas teses baseadas na historiografia, aborda em sua obra – “Como se escreve a História” – um conceito interessante e até certo ponto pode confundir-nos com o que foi escrito acima. Seguindo a tradição da “escola dos Annales”, o nobre historiador, conceitua o que considera história “não-factual”. O “não-factual” aproxima-se do “contra-factual”, por não termos consciência do evento. Tanto na abordagem “contra-factual” quanto a “não-factual” não reconhecemos os fatos. Por outro lado, na abordagem “contra-factual” tenta-se, através de especulações, idealizar um novo desfecho para o fato, tornando-se extremamente difícil um consenso sobre o que poderia ter ocorrido. Logo, esta abordagem não poderia tomar corpo como uma teoria.

A abordagem “não-factual” de Veyne, no entanto, é sobre eventos cuja existência não temos consciência. De acordo com Veyne; “(...) o não-factual são eventos ainda não consagrados como tais: a história das localidades, das mentalidades, da loucura ou a procura da segurança através dos tempos. Denominar-se-á, portanto, não-factual a historicidade da qual não temos consciência como tal (...)”(VEYNE, Paul M. 2008: p29).

Destarte, de acordo com a abordagem de Veyne, os fatos do cotidiano, apesar de sua fecundidade e sua interferência no processo histórico, não são contados. Assim; o beijo do amante apaixonado, as juras de amor dos namorados, a casa antiga tombada para atender aos interesses econômicos, a floresta queimada para economizar o trabalho braçal e que servirá de pasto, o ziguezaguear solitário do carteiro que lhe traz a correspondência, os cultos dos finais de semana ou o sofrimento do pedreiro na construção de uma nova casa para alguém . Uma aparente infinidade de eventos sem valor, contudo, com grande repercussão no processo histórico de um local ou de uma região. Alterando as relações entres seus indivíduos e sua maneira de pensar.

Os acontecimentos por mais restritos que sejam influenciam no todo. Só que alguns historiadores consideram apenas o todo ou como diz Veyne: Eles reconstroem uma “História-Tratados-e-Batalhas”. A história da humanidade, no entanto, não se limita apenas a esta visão macro, ou pelo menos não deveria se limitar. Conforme Veyne: Pois, a cada dia, a cada movimento, ação, idéia estamos contribuindo para a construção da história não só de nosso local, mas interferindo no curso da história de toda a humanidade. O consenso sobre estes fatos no modelo historiográfico dos ANNALES e, exposto acima, é plenamente atingível e está sendo considerado cada vez mais pela nova leva de historiadores atuais.

Vejam o poder de nossas ações. A história não transcende o homem, mas é fruto da ação de todos...

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Baseado em:
VEYNE, Paul Marie. A noção de não-factual. In.: Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. Trad. de Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp. 4ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasil, 2008. pp. 28-29

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