quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Admirável Proust

Marcel proust era mesmo um admirável escritor. Hábil em ir de um extremo ao outro, era capaz de condensar um tratado filosófico e no próximo parágrafo deixava-se levar pela beleza e pela poesia das palavras. Era capaz de discursar sobre um árido tema e ao mesmo tempo embelezá-lo com sua imaginação admirável.

O texto abaixo demonstra, brevemente, a versatilidade deste grande escritor. os parágrafos apresentados seguem-se na notável obra de Proust: "A l'ombre des jeunes filles en fleur".

(...)Se acontece por acaso que um aristocrata mantém relações com a pequena burguesia, que vê enfim um nobre digno de ser grande burguês, juraria que ele não convive com o marquês jogador e arruinado, a quem julga tanto mais destituído de relações quanto mais amável. E qual não é o seu espanto quando o duque presidente do conselhor administrativo da colossal empresa dá a seu filho por esposa a filha do marquês jogador, mas cujo nome é o mais antigo da França, da mesma forma que um soberano antes fará seu filho desposar a filha de um rei destronado que a de um presidente da República em funções.
(...)[O quarto de minha avó]. Este não dava diretamente para o mar, como o meu, mas recebia luz de três lados diferentes: de uma extremidade do dique, de um pátio e do campo, e era mobiliado diversamente, com poltronas bordadas de filigranas metálicas e de flores róseas, de onde parecia emanar o agradável e fresco odor que a gente encontrava ao entrar na peça. E naquela hora em que raios vindos de exposições e como que de horas diferentes quebravam os ângulos do muro, ao lado de um reflexo da praia, punham na cômoda uma toalha matizada como as flores do caminho, suspendiam à parede as asas dobradas, trêmulas e mornas de uma claridade prestes a retomar o vôo, aqueciam como um banho um retângulo de tapete provinciano diante da janela do pequeno pátio que o sol afestoava como uma vinha, aumentavam o encanto e a complexidade da decoração mobiliária, parecendo esfoliar a seda florida das poltronas e destacar os seus passamanes, aquele quarto que eu atravessava um momento antes de vestir-me para o passeio afigurava-se um prisma em que se decomphnham as cores da luz exterior, ou uma colmeia em que os sumos do dia que eu ia provar se achavam dissociados, esparsos, embriagadores e visíveis, ou um jardim da esperança que se dissolvia numa palpitação de raios de prata e de pétalas de rosa.(PROUST, Marcel. 2006, pp. 336-337).

_____________________
Referências
PROUST, Marcel. À sombra das raparigas em flor. Trad. Mario Quitana; 3ª ed. São Paulo: Globo, 2006 (pp.336-337) - (Em busca do tempo perdido)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço pelo seu comentário.