quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Imagine que somos felizes...



Por Joandre Oliveira Melo

Ao sucumbir, o sistema socialista levou consigo a possibilidade de existência de um outro modo de vida alternativo ao capitalismo. Por esse motivo, as teorias marxistas terão de ser novamente repensadas (uma profunda revisão das idéias de Marx se impõe à nova geração). Será que nós realmente queremos manter um regime consumista tal como está, com a destruição da natureza, dos ecossistemas, e um constante desprezo pelo ser humano, seus valores e necessidades? Uma vida totalmente plástica e contrária à natureza do Homem? Ou queremos mudar; fazer a Utopia acontecer?

Segundo Jean-Jacques Rousseau, a mais destruidora obra do Homem, a materialização mais vil de suas iniqüidades, foi a propriedade privada. Felizes seríamos, afirma o filósofo francês, se alguém cortasse a garganta do primeiro homem que cercou um pedaço de terra e apresentou-a arrogantemente ao mundo como sua propriedade, e fizesse jorrar seu sangue sobre ela, pois este pedaço de terra seria posteriormente a destruição do Homem. Essa terra seria fertilizada com o sangue de outros homens, para o regozijo de uma pequena prole: assim foi construída a nossa história.

Na esteira de Rousseau, o alemão Karl Marx – o “Dom Quixote” da nossa era – alimentou-nos novamente com a idéia da Irmandade de Homens, fez renascer em nós aquilo que a Revolução Francesa havia aniquilado: o desejo de compartilhar, a vontade de não esperar do céu o nosso sustento, a espiritualidade criadora humana, nossa mais profunda aptidão para o pensamento autônomo, utilizando-se da “Razão”, e o regozijar de nossos desejos enquanto seres humanos; poder desfrutar da nossa natureza, que é simples e material – “subterrânea e efêmera”, como assinala Nietzsche – porém, completa e combativa. Pascal compartilha essa idéia quando aponta a nobreza da nossa natureza humana; mesmo submetidos aos caprichos da natureza e mesmo não passando de meros “objetos” das leis do Universo, ainda assim seríamos nobres, pois sabemos que morremos, mas o universo não sabe que nos mata.

Por fim, ressoando em meus ouvidos está a letra daquela que, em minha opinião, é uma das mais belas canções modernas: “Imagine”, de John Lenon. “Imagine” é um lamento da modernidade, que esqueceu a sua culpa e destruiu tudo o que era natural, fundado pela Natureza para ser o nosso Éden, onde contemplaríamos verdadeiramente nosso ser, não através da luz refletida na pedra, como Platão conta na sua alegoria da caverna, mas diretamente da fonte natural.

A canção começa exortando-nos a imaginar uma nova sociedade, uma sociedade de Homens plenos que não precisam de heróis ou figuras carismáticas, nem líderes ou pastores, nem de castigos ou prêmios para trilhar o caminho da felicidade. Não precisamos da imposição do CERTO ou ERRADO. Assim começa a minha análise da canção: bom seria se sobre nós existisse apenas o céu, o universo, porque o Éden seria aqui, não precisaríamos ir buscá-lo – morrendo ou matando. Abaixo de nós apenas a terra, mãe fecunda que nos sustenta, a todos, homens, animais e a todos os seres que buscam a sua proteção; nada de inferno, apenas a terra. Imaginemos agora uma civilização apenas, única, povoando um maravilhoso planeta, onde não há divisões, países, segregações. Que não exista a classificação por cor, por raça – isso já nos foi demonstrado: a única raça que existe é a raça Humana. Geneticamente, nas profundezas do nosso corpo, somos apenas UM (Uma só carne; viemos do mesmo útero “africano”): Homo sapiens sapiens, sejamos brancos, mulatos, negros ou morenos, nem mais nem menos. Sem a propriedade privada que sustenta as ideologias, move as paixões, alimenta os apetites e acirra nossa vaidade, não haveremos de matar, não teremos por que morrer. Enfim, estou curioso se podemos também substituir a religião – que não exista a figura de um só Deus (Nietzsche nos acusa de tê-lo matado, e não será mesmo?) – por uma irmandade, uma Irmandade de Homens - a brotherhood of men.

Que não esperemos a vinda de nenhum messias, para sermos irmãos, felizes, completos em nossa natureza. Porque os homens podem traçar o seu destino.

Abaixo a letra da música Imagine de John Lenon, inspiração deste texto. Os trechos em destaque são os momentos utilizados na análise:
Imagine there’s no heaven [Imagine que não haja “Céu” (em oposição a Inferno)];
It’s easy if you try [é fácil se você tentar];
No hell below us
[que não haja Inferno abaixo de nós];
Above us only sky
[Acima de nós, apenas o céu];
Imagine all the people [Imagine todos os povos];
Living for today [vivendo o hoje, para hoje];
Imagine there’s no countries
[Imagine que não haja países];
It isn’t hard to do [não é difícil imaginar];
Nothing to kill or die for [Nada por que matar ou por que morrer];
No religion too [Que também não haja religião];
Imagine all the people [Imagine todos os povos];
living their life in peace
[vivendo sua vida em paz];
IMAGINE NO POSSESSIONS
[Imagine que não haja posses/possessões – leia-se propriedade];
I wonder if you can [Interrogo-me se você pode];
No need for greed or hunger [Que não haja necessidade de ganância/gula ou fome];
A brotherhood of man
[Uma Irmandade do Homem/de Homens];
Imagine all the people [Imagine todos os povos];
Sharing all the world
[Dividindo/compartilhando todo o mundo];
You may say I’m a dreamer [Você pode dizer que sou um sonhador];
But I’m not the only one [Mas não sou o único];
I hope some day you’ll join us [Espero que um dia você se junte a nós];
And the world will be as one [E o mundo será um só/como um só].

John Lenon.
Artigo publicado no Jornal Diário de Pará de Minas em 18/06/2007. Produzido por Joandre Oliveira Melo.

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