sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A morte do moinho do Córrego do Engenho

Sinópse: Este artigo foi escrito por mim como manifesto à destruição do Moinho do Córrego do Engenho, ocorrido em Maio de 2007. Este moinho foi construído antes de 1897 e resistiu bravamente até maio de 2007. O artigo foi publicado na coluna Resgate Histórico, espaço de publicações sobre a História Regional de Pará de Minas e região, do Projeto Acervo "Documental Mesopotâmia Mineira".

Por Joandre Oliveira Melo

Há muitos anos foi construído no Retiro do Bahia – hoje: Córrego do Engenho – uma de suas obras mais devotadas. Edificado pelas mãos do homem, durante anos alimentou-se do milho, o ouro do sertão. Com seus pés redondos imersos na água pura que ali jorrava. Sua boca de pedra mastigava a riqueza loira do sertão de Pará de Minas e regurgitava o áureo pó da providência que durante anos alimentou homens, mulheres, crianças e animais. Animou-os com sua assaz oferta de carboidratos em sua lida diária.

Fora criado para servir e, quanto a isto não esmorecia, com a tenacidade de um Sísifo, passavam-se os dias e anos e a mesma tarefa era-lhe imposta; mas, não reclamava, murmurava a mesma canção de seus companheiros. Eles eram muitos e por toda a Minas Gerais formavam um batalhão de titãs.

Porém, o tempo, senhor implacável, que brinca com seus filhos antes de devorá-los abateu sobre essa tenaz legião e, um a um foram caindo como moscas. Nosso personagem não ficou incólume; viu o progresso chegar, as novas invenções substituíram-lhe. Mas, ele resistiu e resistia bravamente orgulhoso, porém mudo – o progresso havia-lhe seqüestrado sua voz ou, talvez tivesse se calado de tanta tristeza. Mas ele resistia... Até que um dia, o homem, aquele que anos atrás o havia construído, sem qualquer cerimônia veio arrancar o pouco de vida que ainda restava-lhe. Cruelmente arrancaram-lhe suas entranhas; desfaleceu-se de dor... sucumbiu, enfim, à modernidade. Será seu fim? Hoje, suas entranhas jazem no pátio do Museu Histórico de Pará de Minas.

O texto em epígrafe refere-se à impiedosa destruição do moinho do Córrego do Engenho. Obra que durante décadas serviu aos nossos ancestrais e com seu movimento incansável ajudou de forma significativa no progresso de nossa região. Ironicamente, como nos apresenta com propriedade Karl Marx (1818-1883): todo o sistema construído ou implantado traz consigo (dentro de si) o germe da sua destruição. Uma obra como este moinho que tanto participou no avanço de nossa comunidade rumo ao progresso, acabou por trazer a destruição para si. Agora que poderíamos render-lhe nossas homenagens – preservando-o para que nossos filhos e futuros descendentes pudessem contemplar a memória e engenhosidade de nossos antepassados – com apenas algumas ferramentas, destruímos toda essa criação do passado.

De que valerá um moinho d’água em um local seco? Por que não preservá-lo em seu local de origem? Era o mínimo que poderíamos fazer em honra daqueles que bravamente domaram a natureza e estabeleceram aqui nossa amada cidade.

Mais algumas informações sobre esse conspícuo moinho foram publicadas anteriormente em artigos desta coluna, transcrevemos abaixo algumas notas sobre sua valiosa contribuição e certifica, sem dúvida, o seu real valor histórico para nossa comunidade.

“No Brasil dos séculos XVIII e XIX, ser proprietário de um moinho era fator de distinção social, pois muitos camponeses pobres, que não tinham condições de construir um moinho, levavam parte da sua produção de trigo ou milho para ser moída no moinho de um vizinho, que cobrava por isso.

(...)em Pará de Minas, existiu um moinho de pau-a-pique em funcionamento que, hoje, encontra-se em um estado de conservação delicado, exigindo das autoridades locais uma atenção especial no sentido de preservá-lo, para que a memória de toda uma época possa ser resgatada e conhecida: o moinho do “Córrego do Engenho”, região que, no século XIX, chamava-se “Retiro do Bahia”.

O moinho do “Córrego do Engenho” já existia em 1897, época em que a região de Pará de Minas ainda era predominantemente rural. No entanto, com base na afirmação de técnicos do IEPHA – MG de que o moinho construído todo em madeira (como o nosso) era mais comum no século XVIII, podemos lançar a hipótese de que o moinho do “Córrego do Engenho” é uma estrutura colonial dos anos 1700. Funcionou perfeitamente até o final de 2004, quando o terreno onde se localiza foi desapropriado pela Prefeitura de Pará de Minas (em 12 de novembro de 2004), segundo uma das herdeiras. Nas palavras de Maria da Graça Menezes Mourão: “Este quinhão é o que nos resta da Fazenda dos Gomes na Mata do Cego, que se converteu na Fazenda Vargem do Engenho – Fazenda do Patafufo, cujo último resquício ainda é o Córrego do Moinho do Fubá, como é chamado nas documentações do Registro de Imóveis (n. 114, fl. 123, 1963). Nossa visita registrou os últimos momentos de uma ‘reália’ tão importante, pois o moinho teima em vencer as intempéries do tempo e o descuido dos homens. Custa-nos crer que uma tradição tão rica no cotidiano das fazendas mineiras e uma relíquia da história paraense possa desaparecer!”.

Tão verdadeiro é o clamor da historiadora que o moinho teve seu valor econômico e cultural reconhecido em nível estadual em 1949, quando a sua proprietária, Maria Sebastiana Costa (d. Liúte) recebeu o 1º. PRÊMIO - FUBÁ, da 1ª. Exposição Agro-Indusrial Regional de Pará de Minas, sob a chancela da Secretaria da Agricultura do Estado, realizada de 31 de agosto a 4 de setembro de 1949. O diploma que atesta o Prêmio foi assinado pelo Padre José Viegas, Prefeito de Pará de Minas e Presidente da Comissão Organizadora Central do evento, e pelo Secretário Geral, Antero Gastão Machado. O diploma, cuja cópia nos foi cedida pela herdeira, é o reconhecimento da qualidade do fubá d'água do moinho do “Córrego do Engenho”.

Embora o moinho não esteja mais em funcionamento, a sua estrutura se encontra em condições de ser restaurada, podendo constituir um atrativo cultural para a região de Pará de Minas”


Texto publicado no Jornal Diário de Pará de Minas, na coluna Resgate Histórico do Projeto Acervo Documental "Mesopotâmia Mineira", em 14/05/2007. Produzido por Joandre Oliveira Melo.

Um comentário:

  1. Joandre, dos textos que você escreveu, este é um dos melhores - se não o melhor, na minha opinião. Foi ótimo relê-lo. Um abraço,
    Flávio.

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