domingo, 17 de fevereiro de 2008

A produção material de uma região


Por Joandre Oliveira Melo

É interessante notarmos como a produção material de uma região influencia todo um modo de vida, direciona a maneira de ver o mundo, o sobrenatural em que acreditamos e até a forma como atuamos no meio. Cria-se realmente uma cultura, e esse é um ramo da historiografia que é estudado com bastante atenção pelos sociólogos, antropólogos, economistas e, logicamente, pelos historiadores. É preciso, entretanto, adianta o historiador José D’Assunção Barros, examinar não apenas o objeto material (construções, pontes, edifícios, aqueduto, etc.), mas as implicações sociais desse plano material sobre a cultura, a forma de pensar e agir e as técnicas envolvidas na produção e uso das reservas naturais.

Karl Marx (1818-1883), em sua obra “A ideologia Alemã”, escrita juntamente com Friedrich Engels (1820-1895), destaca com grande propriedade, como fato histórico e primordial, a tarefa do homem em moldar o ambiente para sua sobrevivência biológica. Essa forma como o homem se reúne e produz a sua existência determina profundamente as características de um povo enquanto nação ou região. Toda a produção social do homem (religião, cultura, ciência, moda, aparato judicial) se sujeitará, em última análise, ao suporte material fornecido pela natureza.

Um exemplo disso, em uma esfera um pouco acima da produção material em si, mas que, nem por isso deixa de ser determinante e determinada pela base material de uma região, é a sexualidade. Através do ato sexual molda-se toda uma estrutura familiar, social, religiosa. É comum, por exemplo, construirmos nossas vidas em torno do casamento, dos filhos gerados dessa relação ou até mesmo direcionarmos nosso comportamento dependendo da “opção” sexual para um relacionamento diferente do convencional (heterossexual), mas, completamente normal como o Homossexual ou o Celibato. Logo, o sexo é uma condição determinante da vida do povo de uma região. Essa interação sexual pode, no entanto, variar entre as diversas culturas que hoje existem no mundo e, até mesmo, se observarmos os registros históricos em torno desse tema, algumas formas já floresceram e se extinguiram de acordo com a necessidade material, que também variou no decorrer dos anos.

Outra forma determinante é a produção, vamos dizer, “dura”: aquela na qual encontramos os meios de produção, os recursos naturais e os produtos criados pelo homem para sobreviver nesse meio e transformá-lo de modo a manter a sua existência biológica. Aqui entram as máquinas, as ferramentas, os edifícios para a produção dos artefatos de moradia; enfim, tudo isso não é, senão, a objetivação do trabalho do homem. É a corporificação da ação do homem atuando no meio, de forma determinada por esse meio.

Pois bem, agora que já vimos sobre a teoria da cultura material, vamos à aplicação dos conceitos. Para citar alguns exemplos, podemos refletir sobre as festividades de nossa região e de nossa cidade. Primeiro exemplo: podemos fazer uma comparação da influência da cultura material entre as cidades de Pará de Minas e Papagaio. Nós observamos que a forma de produção da vida em nossa região é mais dependente, pelo menos mais recentemente, da avicultura e atividades agropastoris em Pará de Minas do que em Papagaio, ao passo que, nesta última, desponta como principal atividade econômica a produção e comercialização da ardósia, um tipo de rocha metamórfica explorada em veios abaixo do solo. É comum então verificarmos que nas referidas cidades ocorrem variações da manifestação popular; enquanto temos em Pará de Minas as portentosas exposições: festa do frango e peão, em Papagaio as manifestações giram em torno da famosa pedra azulada. Seria, prosseguindo com a análise, completamente diferente se em Pará de Minas fosse descoberto uma enorme jazida de minério de ferro, ou que durante a exploração da ardósia em Papagaio, fosse localizada uma enorme reserva petrolífera. Todo o modo de vida, as manifestações culturais, a maneira de ver o mundo, as produções materiais se alterariam, nestas cidades, com o tempo.

O trabalho do grupo Mesopotâmia Mineira é tentar entender essas transformações, analisando os documentos antigos. Dessa forma, o grupo atua dentro do campo da História da Cultura Material – quando analisa os inventários, quantifica a produção, o número de escravos, o que era mais consumido, o tipo de tração de arrasto, etc.. Enfim, quando catalogamos e analisamos este aspecto da produção do homem de Pará de Minas do século XIX, estamos lançando uma luz para entendermos porque somos o que somos, como as coisas “evoluíram” – no sentido de passagem de um estado ao outro – para o estado de coisas atual, porque somos assim ou fazemos dessa maneira.

Finalizando, deixamos uma grande dúvida no ar: o embate de idéias de dois grandes pensadores: de um lado Georg W. F. Hegel (1770-1831), brilhante filósofo alemão, que afirma que “o homem é um ser de desejo”. De outro lado, o não menos intrigante e revolucionário Karl Marx (1818-1883), também alemão e, durante certo período de sua vida discípulo de Hegel, que diz: “o homem é um ser de necessidades”. A produção material molda o homem ou o homem molda a sua produção material?

(*) Imagem: Os agiotas, de Marinus Van Reymerswael, pintor da escola holandesa (século XVI). disponível em: http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/bco_imagens/moeda/moeda_01.htm, em 18/02/2008 00:31.

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Artigo publicado na coluna Resgate Histórico do Jornal Diário em 01/10/2007.

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