Poderíamos começar o texto abaixo como Marx começa o Manifesto do Partido Comunista: um espectro ronda as economias do mundo. O capitalismo financeiro inaugurado no século XX, alimentando-se das paixões e apetites dos homens - e, como estes parecem não ter limites - transforma-se a cada dia no sistema econômico mais devastador que surgiu na face da Terra.
Não temos dimensão dos limites desta devastação, já que parece não haver limites para a nossa imaginação. Poderemos, talvez, conter-nos após superados todos as reservas naturais de manutenção da vida no planeta, ou, quem sabe, com a teconologia avançando e com a ajuda de nossa famigerada imaginação e capacidade criativa, nos tornaremos viajantes errantes pelo espaço sideral, tal qual a famosa série norte-americana da década de oitenta - Battle Star Galactica - em busca de outro planeta azul que possa sustentar a vida. Talvez, o dia do Juízo Final esteja sinalizando no horizonte e, a grande batalha do apocalipse acontecerá redimindo nossos erros e iniciando uma nova era de ouro. Vejam, como a imaginação vagueia por um mundo sem fronteiras, apenas nestas duas últimas linhas esboçei, mesmo que muito rapidamente, duas hipóteses factíveis, porém utópicas, ainda, espero.
O que temos realmente de paupável é, sem dúvida, nossa vida cotidiana, nossas escolhas e necessidades. O mercado é a grande realidade delineadora de nossas ações. Não sei se podemos lançar-nos ao espaço como Dom Quixotes do futuro ou se estaremos dentre aqueles poupados pelo juízo final. Mas contra o mercado, eu sei que podemos; afinal, o mercado nada mais é do que o resultado de nossa relações sociais conscientes, sufocadas pela força das nossas singulares necessidades. Nietzsche, já disse que o homem cria suas leis, mas, não a vêem como fruto de sua criação e concebem algo de transcedente nelas. No entanto, abriga-se em nós as mais primitivas vontades que podem vir à tona novamente. O desejo desenfreado da busca da riqueza, do lucro fácil, pode, desta maneira, ser sufocado por um desejo mais altruísta de compartilhamento, que perdemos com a modernidade, mas, que nossos ancestrais bem o conheceram.
Adam Smith (1723-1790) não negava que o homem, em sua natureza era egoísta. E acreditava que seu egoísmo o ajudava a avançar e, poderia ser usado como uma fonte benfazeja para a felicidade e sobrevivência da humanidade. Assim, concebeu as relações sociais como algo de natural e a busca da satisfação das necessidades se daria equilibradamente. O mercado se auto-regulava, as próprias necessidades, quando satisfeitas, extinguiam-se em si mesmas. Há, até mesmo, o conceito de uma "Mão Invisível" que manipularia os destinos dos homens independente de suas vontades. Hoje, sabemos que não é bem assim, primeiro Marx (1818-1883) aponta para um inexpugnável conflito entre os homens, às vezes visível outras velado, como motor da história da humanidade. Ele não viu, sequer, resquícios de uma realidade idílica, como a proposta por Adam Smith.
Mais Adiante, no século XX, John M. Keynes (1883-1946), observou que as ações individuais não preconizavam a harmonia do mercado, mas, promoviam, na busca dos seus interesses crises periódicas. Para ajustar a economia a esta realidade alvitrou a intervenção dos Estados, em tempos de crises, para salvaguardar o sistema econômico e concomitantemente nosso estilo de vida. Talvez, a mão poderosa do Estado, patrocinado pelo dinheiro público, seja a única "mão invisível" que pudemos conceber.
A pergunta que não se cala é: até quando o sistema aguentará manter o moderno estilo consumista de vida dos bilhões de seres humanos que habitam o pequeno planeta azul o qual chamamos de Terra? ATÉ QUANDO PODEREMOS SUPORTAR A SOCIALIZAÇÃO DAS CRISES E PRIVATIZAÇÃO DO LUCROS ESCAVANDO CADA VEZ MAIS FUNDO O ABISMO QUE SEPARA OS RICOS DO POBRES?
Complementando, abaixo transcrevo um artigo publicado na folha de S. Paulo em 20 de setembro de 2008 que inspirou a publicação das singelas palavras acima.
CESAR BENJAMIN
Karl Marx manda lembranças
O que vemos não é erro; mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas |
AS ECONOMIAS modernas criaram um novo conceito de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso, mas de ampliar abstrações numéricas. Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso os economistas chamam "comportamento racional". Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez exige alguma sofisticação.
Quem refletiu mais profundamente sobre essa grande transformação foi Karl Marx. Em meados do século 19, ele destacou três tendências da sociedade que então desabrochava: (a) ela seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, fosse pela maior capacidade de produzi-las, fosse pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria; (b) ela seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o planeta; (c) ela seria compelida a inventar sempre novos bens e novas necessidades; como as "necessidades do estômago" são poucas, esses novos bens e necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados à fantasia, que é ilimitada. Para aumentar a potência produtiva e expandir o espaço da acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máximo de populações no processo mercantil, formaria um sistema-mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a cultura e as formas de sociabilidade. Nenhum obstáculo externo a deteria.
Havia, porém, obstáculos internos, que seriam, sucessivamente, superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza abstrata, e passar pela produção, organizando o trabalho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim pode ressurgir ampliado, fechando o circuito. É um processo demorado e cheio de riscos. Muito melhor é acumular capital sem retirá-lo da condição de riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro. Marx denominou D - D" essa forma de acumulação e viu que ela teria peso crescente. À medida que passasse a predominar, a instabilidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema começaria a esgotar-se: ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, o impulso à acumulação não mais seria um agente organizador da sociedade.
Se não conseguisse se libertar dessa engrenagem, a humanidade correria sérios riscos, pois sua potência técnica estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de fins humanos. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da civilização (abolindo-se os trabalhos cansativos, mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a intensificação de conflitos). Maior o poder criativo, maior o poder destrutivo.
O que estamos vendo não é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma mais pura, mais plena e mais essencial, com ampla predominância da acumulação D - D". Abandonou as mediações de que necessitava no período anterior, quando contestações, internas e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu. Os resultados estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.
CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
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Referências:
BENJAMIN, Cesar. Karl Marx manda lembranças. In.: seção: dinheiro. Folha S. Paulo. São Paulo: Folha S. Paulo, publicado em 20/09/2008.
(*) Imagens: Obtidas em http://pt.wikipedia.org
Foto (1): Karl Marx(1818-1883), disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fc/Karl_Marx.jpg, 21/09/2008 17:00hs
Foto (2): Adam Smith(1723-1790), disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/41/Adam_Smith.jpg, 21/09/2008 17:00hs
Foto (3): John Maynard Keynes(1883-1946), disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/66/John_Maynard_Keynes.jpg, 21/09/2008 17:00hs
Após a leitura deste post, fica a curiosidade de saber o que Karl Max diria da crise econômica dos EUA. Ultimamente, algumas pessoas citam que o sistema capitalista, tal qual o modelo norte-americano pode estar com os dias contados. Ivan Lessa escreveu sobre isso para a BBC, acesse http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/09/080919_ivanlessa.shtml. Será que o governo dos EUA conseguirá sanar a crise com a aplicação de 700 bilhões de dólares para comprar papéis hipotecários "podres"? Só o tempo e o mercado dirá.
ResponderExcluirGeraldo Rodrigues