sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Prelúdio à primavera

Prelúdio à primavera
Joandre Oliveira Melo
Hoje o Céu enegreceu. O sol ainda estava a pino e uma enorme nuvem negra, vinda dos lados de nossa vizinha Itaúna, cobriu a sua luminescência, trazendo as primeiras chuvas, depois do inverno; prelúdio à primavera.
O inverno ainda não findou, mas já começa a enfraquecer-se e a ceder lugar ao perscrutar de mais uma primavera que nos enche de alegria e esperança.
A época das flores, da renovação da ramaria dos arvoredos, avizinha-se. Doces eflúvios espalham-se pelo ar quente que vem com o setembro, parece saudar a próxima estação.
Os pássaros já pressentem a aproximação da primavera; entoam seus cantos multicores. Uma sinfonia de sons: arrulhos, chilros, silvos.
Mas a nuvem negra permanece intacta, balofa, prestes a se arrebentar – encheu-se com o calor, sugando as águas do São João e outros arroios que encontrou no caminho enquanto crescia – anunciando a primeira chuvarada, o calor sufoca e faz as primeiras gotas precipitarem-se quentes, pesadas. Despencam inclinadas pelo vento que sopra forte.
Subitamente, tudo se cala, ouve-se o estrondo do choque das maciças e quentes gotas que se desfazem ao chocar-se com o solo duro e ressequido. Os raios comemoram como serpentinas e iluminam o dia que parece ter virado noite. E a nuvem escura desfaz-se aos poucos, entregando-se entre lágrimas e soluços toda a sua existência. Em breve toda a negritude pavorosa se transformará em um néctar que irromperá pelos sulcos da terra até às suas entranhas quentes e escuras; e, alimentará o submundo das raízes e sementes esquecidas. Trará à superfície novamente a vida. A vida que a sequidão e o sopro gélido do inverno roubaram.
Solitário, distante de todo esse maravilhoso espetáculo, aqui estou, preso em meu escritório, completamente seco e indiferente ao que acontece lá fora. Apenas penso nas informações que se sobrepõem com a rapidez alada da nova geração de redes de computadores. Vejo apenas a tela colorida artificialmente por luzes criadas por led’s – invenções humanas – dispostos simetricamente a criar imagens às quais respondo com frenéticos cliques do meu mouse. Neste mundo plástico, artificialmente colorido, matematicamente construído, vivo a ferros. E a bela e grandiosa ópera que se apresenta lá fora, é-me completamente indiferente.
Algo me alegra. Ao olhar, por um momento, pelo vidro da janela, açoitado pelas rajadas de gotas – como projéteis cuspidos por metralhadoras – observo um ipê a desfolhar-se. Vejo suas flores amarelas, prematuras, arrancadas impiedosamente; mas, junto com as flores sacrificadas vejo pequeninos embrulhos, observo com maior cuidado e assevero-me que são pequeninas sementes cuidadosamente embaladas em um invólucro de celulose transparente, vestidas para brotar. Arrancadas impiedosamente pelo temporal seguem tácitas em meio à barrenta enxurrada para cumprirem o seu destino...

2 comentários:

  1. Os ipês fazem parte da magia da natureza. Quanta beleza! Até mesmo no seu desflorescer.

    O papel de escrita deste blog ficou muito bonito. Um charme.

    Abraços,
    Terezinha

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  2. Que belo texto! Senti até o cheiro da terra molhada! Que beleza!
    Flávio

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Agradeço pelo seu comentário.