Prelúdio à primavera
Joandre Oliveira Melo
Hoje o Céu enegreceu. O sol ainda estava a pino e
uma enorme nuvem negra, vinda dos lados de nossa vizinha Itaúna, cobriu a sua
luminescência, trazendo as primeiras chuvas, depois do inverno; prelúdio à
primavera.
O inverno ainda não findou, mas já começa a
enfraquecer-se e a ceder lugar ao perscrutar de mais uma primavera que nos
enche de alegria e esperança.
A época das flores, da renovação da ramaria dos
arvoredos, avizinha-se. Doces eflúvios espalham-se pelo ar quente que vem com o
setembro, parece saudar a próxima estação.
Os pássaros já pressentem a aproximação da
primavera; entoam seus cantos multicores. Uma sinfonia de sons: arrulhos,
chilros, silvos.
Mas a nuvem negra permanece intacta, balofa,
prestes a se arrebentar – encheu-se com o calor, sugando as águas do São João e
outros arroios que encontrou no caminho enquanto crescia – anunciando a
primeira chuvarada, o calor sufoca e faz as primeiras gotas precipitarem-se
quentes, pesadas. Despencam inclinadas pelo vento que sopra forte.
Subitamente, tudo se cala, ouve-se o estrondo do
choque das maciças e quentes gotas que se desfazem ao chocar-se com o solo duro
e ressequido. Os raios comemoram como serpentinas e iluminam o dia que parece
ter virado noite. E a nuvem escura desfaz-se aos poucos, entregando-se entre
lágrimas e soluços toda a sua existência. Em breve toda a negritude pavorosa se
transformará em um néctar que irromperá pelos sulcos da terra até às suas
entranhas quentes e escuras; e, alimentará o submundo das raízes e sementes
esquecidas. Trará à superfície novamente a vida. A vida que a sequidão e o
sopro gélido do inverno roubaram.
Solitário, distante de todo esse maravilhoso
espetáculo, aqui estou, preso em meu escritório, completamente seco e
indiferente ao que acontece lá fora. Apenas penso nas informações que se
sobrepõem com a rapidez alada da nova geração de redes de computadores. Vejo
apenas a tela colorida artificialmente por luzes criadas por led’s – invenções
humanas – dispostos simetricamente a criar imagens às quais respondo com
frenéticos cliques do meu mouse. Neste mundo plástico, artificialmente
colorido, matematicamente construído, vivo a ferros. E a bela e grandiosa ópera
que se apresenta lá fora, é-me completamente indiferente.
Algo me alegra. Ao olhar, por um momento, pelo
vidro da janela, açoitado pelas rajadas de gotas – como projéteis cuspidos por
metralhadoras – observo um ipê a desfolhar-se. Vejo suas flores amarelas,
prematuras, arrancadas impiedosamente; mas, junto com as flores sacrificadas
vejo pequeninos embrulhos, observo com maior cuidado e assevero-me que são
pequeninas sementes cuidadosamente embaladas em um invólucro de celulose
transparente, vestidas para brotar. Arrancadas impiedosamente pelo temporal
seguem tácitas em meio à barrenta enxurrada para cumprirem o seu destino...
Os ipês fazem parte da magia da natureza. Quanta beleza! Até mesmo no seu desflorescer.
ResponderExcluirO papel de escrita deste blog ficou muito bonito. Um charme.
Abraços,
Terezinha
Que belo texto! Senti até o cheiro da terra molhada! Que beleza!
ResponderExcluirFlávio