segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

"Enfrentamento de mundos ..."


No último sábado, saímos minha família e eu a explorar uma estrada rural que liga Florestal ao povoado de Cachoeira de Almas. Eu já conhecia a estrada, mas há vinte anos não passava por lá... Foi um paradoxo; os caminhos em memória não equivaliam em quase nada com o que vimos. Parecia minha primeira vez.

No início, vislumbrei uma estrada repleta de casas de campo, um mosaico de sítios de veraneio, que há vinte anos não estavam lá. Como surgiram depressa. Vinte anos me pareciam apenas um mês. Era como se fosse o mês passado. Eu ainda era Eu, mas a estrada não era a estrada mais. Nem Eu era como eu era, é claro...

Minha filha de dez anos, muito sensível aos encantos que a natureza, desvelava-nos a cada curva; logo avistou um tucano, em seguida um potrinho, ainda bem novinho, que tentava se acomodar ao úbere da progenitora. Um pica-pau apoiado no tronco íngreme de um pau d'óleo.

Após uma curva bem fechada, estreita e deslizante - por causa da cascalheira - uma freada precisa, providencial; quase atropelávamos uma seriema, que, sem saber da nossa presença corria em nossa direção. Esquivando-se elegantemente, saltou em direção ao mato da margem da estrada e, de lá, depois de certificar-se que estava segura, nos olhou debochadamente por alguns segundos antes de desaparecer na capoeira fechada. Inesperadamente, há alguns metros mais quatro Seriemas aventuraram-se a atravessar a estrada, mas fizeram-no com apenas um salto e um bater de asas. Assim ganharam a outra margem e embrenharam-se na capoeira. Depois de alguns minutos pareciam estar reunidas comemorando sua aventura com seu canto estridente e triste.

Seguimos nosso caminho; mais alguns quilômetros e vimos um brejo à margem direita da estrada. Da vegetação típica, de um verde mais corado irrompeu um pequeno e desconfiado marreco. Naquele dia o marrequinho estava de bom humor e permaneceu todo o tempo a nos contemplar; aquele "patinho" matreiro nos analisava com atenção, para ele, imagino, era como se fôssemos uma espécie desconhecida. Pareceríamos a ele uma espécie de monstro gigante? Pois, estávamos dentro do carro somente com as cabeças fora das janelas. Talvez assemelhássemos a um dragão de muitas cabeças. Mas que bobagem, aquela criaturinha não conhecia dragões, jamais vira um e não seria capaz de imaginar tal ser, ou seria?...

Após fotografarmos a pequena e audaz avezinha, partimos para mais uma aventura; tínhamos ainda mais alguns quilômetros até o nosso destino: Cachoeira de Almas e, de lá mais alguns até a Rodovia Pará-Florestal.

A tarde estava quente, como estivera nos últimos dias; mas, um calor acolhedor, não aquele calor abrasador. A paisagem nos deslumbrava: uma lagoa ali, outra acolá, um serra toda coberta pela capoeira verde, o sibilar de grilos, o piar de alguns pássaro "fantasmas", pois, não podíamos vê-los e nem identificá-los através do seu piar. o gado se encaminhando para os currais para o trato e a tiragem do leite da tarde. O cheiro do capim moído para alimentar o gado. Este teatro de belezas trouxeram-me à mente as doces recordações da minha infância na fazenda da minha avó. O meu avô apartando o gado junto com meu tio, minha tia e a minha prima, que moravam na fazenda, na lida com o leite coalhado para formarem o queijo. O "soro", líquido esbranquiçado que sobreabundava da compressão da massa de coalhada e que descia pela mesa de tábua e que nós aparávamos para beber um pouco - depois de algumas horas me faziam correr para o banheiro com meus intestinos a torcer.

Tudo estava tranquilo, seguíamos pela estrada, eu absorto em meus pensamentos, quando avistei o que para mim é a mais bela obra da natureza. Um minúsculo "olho" de água brotando do chão, logo ao lado da estrada. Fiquei extasiado, a água brotava ininterruptamente. Seguindo o curso da água avistei um pequenino poço formado por uma depressão do terreno. Ao aproximar-nos avistei dois sapinhos verdes que dividiam aquele pequeno oásis. Mostrei-lhes à minha filha e ela adorou. Ficou um tempo a tirar algumas fotos e a observar os intrépidos sapinhos que nem se moviam, aproveitando o calor do sol.

Permaneci quieto, apenas observando aquela cena: um casal de sapinhos donos de um belo e fresco oásis. Que felicidade, uma pequenina depressão, algum lodo e um fio de água quente e fresca que descia e mantinha esta depressão inundada, era a visão do paraíso. O que mais aqueles animaizinhos poderiam querer? Não importávamos a eles, nem as delícias do nosso mundo. Aquele era seu mundo, talvez, com um pouco de sorte seria dos seus filhotes e, menos provavelmente dos filhotes de seus filhotes. Neste enfrentamento de mundos aqueles sapinhos levavam todas as vantagens. Podia ser, que o sol os fizesse migrar dali dentro de alguns dias, mas, e daí! Eles não precisavam de muito, alguns metros antes eu avistara uma lagoa. Talvez eles também o fariam, quando precisassem. Mas naquele momento, desfrutavam do sol e da água fresca, nada mais os interessava. Não precisavam de mais nada, só queriam manter-se ali semiimersos naquela água fresca. Subitamente, ou talvez pressentindo algum perigo, ou porque estavam cansados de nos fitar saltaram para o fundo lodoso e desapareceram.

Tudo isto me fez pensar: "O homem precisa de tão pouco para viver..."
Por Joandre Oliveira Melo.

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