Hoje iniciando a leitura da obra: “O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil” de Darcy Ribeiro. Deparei-me com uma passagem que não poderia deixar de postar em meu blog.No início do livro, em seu capítulo I, Ribeiro discorre sobre o apossamento das terras do Brasil dos seus verdadeiros donos: os indígenas que aqui viviam. Ele narra o choque das culturas, o primeiro deslumbramento dos dois povos separados pelo oceano e depois o embate dos povos indígenas contra a sua submissão.
No enfrentamento dos mundos, a primeira visão dos “Invasores” era que haviam aportado no éden. As maravilhas que vislumbravam, os corpos perfeitos e plenamente adaptados para a vida selvagem, a atração irresistível pelas mulheres símbolos da perfeição – a moura perfeita – , corpos adornados por plumas coloridas. E eles, navegantes, barbudos, hirsutos, fedentos, infestado de chagas, atacados que eram pelo escorbutos, corpos dementes.
Aos olhos desse povo selvagem que preferia mais dar do que receber, amantes da liberdade, viventes do presente, aqueles homens vindos do além mar pareciam aflitos demais, atiravam-se aos afazeres como se tudo fosse terminar no dia seguinte. Avançavam sobre as caças, as florestas como se fossem acabar, sobre os peixes como se os rios e o mar fossem secar. Matando e acumulando, mais do que podiam comer ou usar, tudo isso era demais para a compreensão dos povos selvagens que aqui viviam.
Ribeiro passa então a citar Léry em um diálogo de um Tupinambá com um estrangeiro:
Os nossos tupinambás muito admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar os seus arabutan. Uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, maírs e pêros [franceses e portugueses] buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? Respondi que tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: e porventura precisais de muito? – Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. – Ah! Retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: Mas esse homem tão rico de que me falas não morre? – sim, disse eu, morre como os outros.
Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? – Para os seus filhos se os têm, respondi; na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. – Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados (Léry apud Ribeiro, 2006: 41-2).
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Referências Bibliográficas
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. (pp. 11-42).
Joandre, às vezes eu fico pensando se criticar o capitalismo, o consumismo e outros "ismos" burgueses não é um ato absolutamente patético, já que a gente trabalha para ganhar dinheiro para a nossa família consumir, muitas vezes negando nossa originalidade única, nosso verdadeiro ser, abrindo mão de um prazer verdadeiro por prazeres "enlatados", "pré-fabricados": "quitei minha casa", "comprei um carro novo", "formei meu filho", "ganhei um aumento", "peguei a gerência do meu setor"...e assim vai, até "abotoarmos o paletó": "fulano foi um grande sujeito. Viveu para a família". Se a gente não lutar verdadeiramente contra a alma burguesa, seus desejos, seus sonhos e promessas de felicidade, não adianta escrever nem falar nada. Se a gente não faz a revolução em nós, para quê falar?
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