sábado, 30 de maio de 2009

A produção material de uma região

Por Joandre Oliveira Melo

Resumo: O texto abaixo foi escrito por mim em 2008 para publicação na coluna do Projeto Acervo Documental Mesopotâmia Mineira - projeto temporariamente supenso do qual sou membro licenciado - publicado no Jornal Diário em 2008. Revisado e ampliado para publicação na coluna do Projeto Resgate Histórico em 26 de maio de 2009.

Resolvi postar o texto no meu blog, embora já esteja postado no site do Projeto Resgate histórico, pois, considero-o um texto bom para exemplificar a teoria de Marx sobre os efeitos do meio sobre a mentalidade dos homens. Ao final encarrego-os de meditarem sobre a proposta de Hegel e Marx.

O texto:
É interessante notarmos como a produção material de uma região influencia todo um modo de vida, direciona a maneira de ver o mundo, o sobrenatural, em que acreditamos e até a forma como atuamos no meio. Cria-se realmente uma cultura, e esse é um ramo da historiografia sobre o qual se debruçam os sociólogos, antropólogos, economistas e, logicamente, historiadores. É preciso, no entanto, adianta o historiador José D’Assunção Barros, examinar não apenas o objeto material (construções, pontes, edifícios, aquedutos, etc.), mas as implicações sociais dessa estrutura material sobre a cultura, a forma de pensar e agir e as técnicas envolvidas na produção e uso das reservas naturais.

karlmarxKarl Marx (1818-1883), em sua obra “A ideologia Alemã”, escrita juntamente com Friedrich Engels (1820-1895), destaca com grande propriedade, como fato histórico e primordial, a tarefa do homem em moldar o ambiente para sua sobrevivência biológica. Essa forma como o homem se reúne e produz a sua existência, determina profundamente as características de um povo enquanto nação ou região. Toda a produção social do homem (religião, cultura, ciência, moda, aparato judicial) se sujeitará, em última análise, ao suporte material fornecido pela natureza.

Um exemplo disso, em uma esfera um pouco acima da produção material em si, mas que, nem por isso deixa de ser determinante e determinada pela base material de uma região, é a sexualidade. Através do ato sexual molda-se toda uma estrutura familiar, social, religiosa. É comum, por exemplo, construirmos nossas vidas em torno do casamento, dos filhos gerados dessa relação ou até mesmo direcionarmos nosso comportamento dependendo da “opção” sexual para um relacionamento diferente do convencional (heterossexual), mas, completamente normal como o Homossexual ou o Celibato. Logo, o sexo é uma condição determinante da vida do povo de uma região. Essa interação sexual pode, entretanto, variar entre as diversas culturas que hoje existem no mundo e, até mesmo, se observarmos os registros históricos em torno desse tema, algumas formas já floresceram e se extinguiram de acordo com a necessidade material, que também variou no decorrer dos anos.

Outra forma determinante é a produção, vamos dizer, “dura”: aquela na qual encontramos os meios de produção, os recursos naturais e os produtos criados pelo homem para sobreviver nesse meio e transformá-lo de modo a manter a sua existência biológica. Aqui entram as máquinas, as ferramentas, os edifícios para a produção dos artefatos e de moradia; enfim, tudo isso não é, senão, a objetivação do trabalho do homem. É a materialização da ação do homem atuando no meio, de forma determinada por esse meio.

Pois bem, agora que já vimos sobre a teoria da cultura material, vamos à aplicação dos conceitos. Para citar alguns exemplos, podemos refletir sobre as festividades de nossa região e de nossa cidade. Primeiro exemplo: podemos fazer uma comparação da influência da cultura material entre as cidades de Pará de Minas e Papagaio. Nós observamos que a forma de produção da vida em nossa região – Pará de Minas - é mais dependente, pelo menos mais recentemente, da avicultura e atividades agropastoris do que em Papagaio, ao passo que, nesta última, desponta como principal atividade econômica a extração, beneficiamento e comercialização da pedra ardósia, um tipo de rocha metamórfica explorada em veios abaixo do solo. É comum então verificarmos que nas referidas cidades ocorrem variações da manifestação popular; enquanto temos em Pará de Minas as portentosas exposições: festa do frango e do peão, em Papagaio as manifestações giram em torno da famosa pedra azulada. Seria, prosseguindo com a análise, completamente diferente se em Pará de Minas fosse descoberto uma enorme jazida de minério de ferro, ou que durante a exploração da ardósia em Papagaio, fosse localizada uma enorme reserva petrolífera. Todo o modo de vida, as manifestações culturais, a maneira de ver o mundo, enfim, as produções materiais e mentais se alterariam, nestas cidades, com o tempo.

hegelO trabalho do grupo Projeto Resgate Histórico é tentar entender essas transformações, analisando os documentos antigos. Desta forma, o grupo atua dentro do campo da História da Cultura Material – quando analisa os inventários, quantifica a produção, o número de escravos, o que era mais consumido, o tipo de tração utilizada para o arrasto de materiais, etc.. Enfim, quando catalogamos e analisamos este aspecto da produção do homem de Pará de Minas do século XIX, estamos lançando uma luz para entendermos porque somos o que somos, como as coisas “evoluíram” – no sentido de passagem de um estado ao outro – para o estado de coisas atual, porque somos assim ou fazemos dessa maneira.

Finalizando, deixamos uma grande dúvida no ar: o embate de idéias de dois grandes pensadores: de um lado Georg W. F. Hegel (1770-1831), brilhante filósofo alemão, que afirma que “o homem é um ser de desejo”. De outro lado, o não menos intrigante e revolucionário Karl Marx (1818-1883), também alemão e morto na Inglaterra e, durante certo período de sua vida discípulo de Hegel, que diz: “o homem é um ser de necessidades”. A produção material molda o homem ou o homem molda a sua produção material?

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Projeto Resgate Histórico: Ana Maria Campos; Geraldo Rodrigues; Alaércio Delfino e Joandre Oliveira Melo. Contato: resgatehistorico@grnews.com.br. Publicado na Coluna Projeto Resgate Histórico no Jornal Diário em 26 de maio de 2009.
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