RESPOSTA À REVISTA VEJA
09/10/2012
Eric Hobsbawm: um dos maiores intelectuais do século XX
Eric Hobsbawm: um dos maiores intelectuais do século XX
Na última segunda-feira, dia 1 de outubro, faleceu o historiador
inglês Eric Hobsbawm. Intelectual marxista, foi responsável por vasta
obra a respeito da formação do capitalismo, do nascimento da classe
operária, das culturas do mundo contemporâneo, bem como das perspectivas
para o pensamento de esquerda no século XXI. Hobsbawm, com uma obra
dotada de rigor, criatividade e profundo conhecimento empírico dos temas
que tratava, formou gerações de intelectuais. Ao lado de E. P. Thompson
e Christopher Hill liderou a geração de historiadores marxistas
ingleses que superaram o doutrinarismo e a ortodoxia dominantes quando
do apogeu do stalinismo. Deu voz aos homens e mulheres que sequer sabiam
escrever. Que sequer imaginavam que, em suas greves, motins ou mesmo
festas que organizavam, estavam a fazer História. Entendeu assim, o
cotidiano e as estratégias de vida daqueles milhares que viveram as
agruras do desenvolvimento capitalista. Mas Hobsbawm não foi apenas um
"acadêmico", no sentido de reduzir sua ação aos limites da sala de aula
ou da pesquisa documental. Fiel à tradição do "intelectual" como
divulgador de opiniões, desde Émile Zola, Hobsbawm defendeu teses,
assinou manifestos e escolheu um lado. Empenhou-se desta forma por um
mundo que considerava mais justo, mais democrático e mais humano. Claro
está que, autor de obra tão diversa, nem sempre se concordará com suas
afirmações, suas teses ou perspectivas de futuro. Esse é o desiderato de
todo homem formulador de ideias. Como disse Hegel, a importância de um
homem deve ser medida pela importância por ele adquirida no tempo em que
viveu. E não há duvidas que, eivado de contradições, Hobsbawm é um dos
homens mais importantes do século XX.
Eis que, no entanto, a Revista Veja reduz o historiador à condição de "idiota moral" (cf. o texto "A imperdoável cegueira ideológica da Hobsbawm", publicado em www.veja.abril.com.br). Trata-se de um julgamento barato e despropositado a respeito de um dos maiores intelectuais do século XX. Veja
desconsidera a contradição que é inerente aos homens. E se esquece do
compromisso de Hobsbawm com a democracia, inclusive quando da queda dos
regimes soviéticos, de sua preocupação com a paz e com o pluralismo. A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil)
repudia veementemente o tratamento desrespeitoso, irresponsável e, sim,
ideológico, deste cada vez mais desacreditado veículo de informação. O
tratamento desrespeitoso é dado logo no início do texto "historiador
esquerdista", dito de forma pejorativa e completamente destituído de
conteúdo. E é assim em toda a "análise" acerca do falecido historiador.
Nós, historiadores, sabemos que os homens são lembrados com suas
contradições, seus erros e seus acertos. Seguramente Hobsbawm será,
inclusive, criticado por muitos de nós. E defendido por outros tantos. E
ainda existirão aqueles que o verão como exemplo de um tempo dotado de
ambiguidades, de certezas e dúvidas que se entrelaçam. Como historiador e
como cidadão do mundo. Talvez Veja, tão empobrecida em
sua análise, imagine o mundo separado em coerências absolutas: o bem e o
mal. E se assim for, poderá ser ela, Veja, lembrada como de fato é: medíocre, pequena e mal intencionada.
Diretoria da Associação Nacional de História
ANPUH-Brasil
Gestão 2011-2013
_____________________________
Referências:O texto acima está disponível em: http://anpuh.org/informativo/view?ID_INFORMATIVO=3502, 09.10.2012 22:41
É interessante analisar a resposta da ANPUH-Brasil, que é bastante cuidadosa no sentido de apontar os méritos de Hobsbawm (coisa que Veja também faz) e bastante leviana no momento em contradizer a revista naquilo que é o cerne da questão: o relativismo moral.
ResponderExcluirObservem este parágrafo: "Ao lado de E. P. Thompson e Christopher Hill liderou a geração de historiadores marxistas ingleses que superaram o doutrinarismo e a ortodoxia dominantes quando do apogeu do stalinismo".
Tirando de lado o embromês, isto quer dizer o seguinte: enquanto os "conservadores" criticavam a matança em nome da ideologia Marxista que ocorria durante o Stalinismo, a trinca justificava a ação "por um mundo que considerava mais justo, mais democrático e mais humano." A palavra "democrático" nesta frase é um evidente contrabando, pois é, em essência, uma contradição absoluta com os fatos descritos.
Para terminar, VEJA critica Hobsbawm porque, mesmo quando não havia mais dúvida possível sobre o desastre que foi a experiência comunista (não só na União Soviética), ele relutou em tecer críticas a este projeto genocida e só veio a fazê-lo, de forma parcial, no final da vida.
É interessante observar ainda que, nesta semana de polêmicas, a nota da ANPUH diz "O tratamento desrespeitoso é dado logo no início do texto “historiador esquerdista”, dito de forma pejorativa e completamente destituído de conteúdo". Curiosamente, neste mesmo período, em Cuba, os jornalistas Yoani Sánchez, Reinaldo Escobar e Agustín Díaz foram presos para que não noticiassem um julgamento. Sobre isto, os "historiadores de esquerda" não deram nenhum pio, muito menos uma noitinha genérica e preguiçosa.
Se o aposto de Veja foi desrespeitoso com os "de esquerda", o silêncio eloquente destas pessoas sobre as prisões políticas e a ditadura Cubana são desrespeitosos diariamente para com todos aqueles que levam o conceito de democracia a sério.
Para quem é realmente um democrata, quem silencia diante dos crimes cometidos por aliados ideológicos e simpatizantes é sim um idiota moral, ou um inocente que não entendeu direito sobre o que estava falando. A segunda hipótese não era o caso do Hobsbawm.
PS - Postei este comentário em todos os sites que encontrei com o artigo. Recebi algumas respostas, mas nenhuma que desmentisse ou contradissesse meu texto com argumentos. Ficaram naquele terreno pantanoso das generalidades fáceis. Vocês que são pessoas inteligentes e com boa escolaridade precisam ser mais críticos com o que leem, venha da esquerda, da direita, do céu ou do inferno.