quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma reflexão e um passeio pelo interior de uma casa, em Pará de Minas, no século XIX

Na primeira metade do século XIX, August Comte(1798-1857), conhecido filósofo francês, escreveu suas principais obras. Com elas, Comte trazia à luz um conjunto de idéias – o positivismo – que influenciaram profundamente o pensamento oitocentista, chegando inclusive ao Brasil, onde moldou o imaginário dos oficiais do exército corroborando para a implantação do regime republicano.
As regras do método positivo eram bastante claras; amparado pelo ideário iluminista do século XVIII, onde a razão reina soberana e tudo pode explicar. O positivismo busca a subordinação, de acordo com Comte, da imaginação e da argumentação á observação. “Ver para prever”.
Desta maneira, o positivismo ofereceu as bases e o método rigoroso à aplicação das idéias dos filósofos iluministas. É como se fosse os cabos de fibra ótica que “canalizam” a luz (razão) fazendo com que chegue ao seu fim: O homem moderno.
O rigor positivista leva a previsibilidade científica, assim, corrobora com o desenvolvimento da técnica. A técnica, no entanto, foi apropriada pela indústria nascente no século XIX. Não só a indústria, mas todas as ciências emergentes nesse período devem seu método ao jargão positivista.
Nesse contexto, o século XIX, emancipa o pensamento filosófico positivo, fundamentando-se como ciência, a História. Baseada no positivismo, estão as bases teóricas que sustentarão e criarão o método para o trabalho dos historiadores. O conhecimento que fora forjado pelo martelo e a bigorna do positivismo, amolecido pelo calor em brasas do iluminismo, se constitue em método e corpo conceitual desta nova ciência, arrancando do ventre da filosofia o seu objeto de estudo: “O fazer do homem no decorrer do tempo”.
Centro da mais pura concepção positivista, o documento escrito ganha valor incrível. A História só pode trabalhar com aquilo que está escrito, o documento fala por si só, é interprete inconteste do fato.
O fato reinava soberano; escrito em documento, não havia lugar para mais nada. Bastaria ler o documento oficial e nos apropriaríamos da História de um povo. Era isso que o historiador da época deveria fazer.
Com efeito, bradou Nietzsche(1844-1900), tomar tudo objetivamente, não se zangar, não amar nada, compreender tudo(...) não é humano” (Nietzsche, vida e obra, Os pensadores, 1999: p. 284). Apenas as máquinas agem assim. Mas, o historiador é homem, ele vive es está submetido aos desejos e questionamentos do seu tempo. O historiador é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do seu estudo. Afinal, o fato nada mais é do que uma interpretação apoiada pelos conhecimentos da época de sua análise. Com relação aos documentos, o historiador hoje, embora não apóie somente neles, ainda é a sua principal ferramenta de trabalho. Por isso, os integrantes do grupo Mesopotâmia Mineira tratam os documentos com muito apreço. Buscando analisá-los de forma crítica e consciente de que somos homens de nosso tempo, tentando “re-significar” o presente.
Com esse espírito aventureiro convoco os leitores a uma viagem. Nosso veículo será o inventário 2490, processo 1299, maço 47, dos bens do Senhor Tenente Coronel Manoel Teixeira Duarte, falecido em 1881, com testamento. Este documento já foi alvo de outra análise em um artigo escrito por mim, anteriormente.
Desta vez, nós o abordaremos de outra maneira. Tentaremos reconstituir, através dos bens declarados no inventário, como deveria ser uma casa em Pará de Minas no século XIX.
A casa localizava-se no largo da matriz (velha), onde hoje esta a fonte. Era um sobrado (casa de dois pavimentos) com cômodo para negócio servido por prateleiras. O quintal da casa era murado, haviam arvoredos plantados, uma coberta (área coberta por um telhado). Uma casa de tenda (onde provavelmente encontrava-se a oficina de trabalho do Senhor Manoel). Tudo indica que ele trabalhava com prata. Um “óculo d’agua” (pode ser uma mina). Por fim, havia um quarto com uma porta para o terreiro. Esse era provavelmente o quarto onde viviam seus três escravos.
Adentrando-se ao imóvel, teríamos uma sala. Nesta sala um relógio de parede e um sofá. Havia também um quarto que dava para sala onde ficava uma mesa pequena, outra com gavetas e provavelmente um catre (cama). Supomos ser um quarto de hóspedes, haja vista, o senhor Manoel não constituiu sua prole.
Sabemos que havia na casa uma sala de jantar, com mais uma mesa com gavetas e também seis cadeiras de encosto.
Na cozinha, provavelmente munida de um fogão a lenha, comum na época, havia outra mesa com tamboretes de palhinha e outros forrados de tábua. Um caixão grande sem tampa para guardar mantimentos. E havia, em outras partes da casa, canastras e uma frasqueira para guardar outros objetos.
Como utensílios: um jarro com bacia (para se banhar); aparelho de chá de porcelana; compoteira de vidro (para as guloseimas); bules de louça chinesa; seis colherinhas de prata para chá; um copo e seis cálices de cristal.
Assim trabalha o historiador hoje, tentando preencher as lacunas deixadas pelos documentos e buscando compreender o que eles tentam nos dizer. Inúmeras abordagens podem ser feitas ao documento. Uma outra visão possível será assunto para um próximo artigo.
___________________________
Artigo publicado no Jornal Diário em 23 de abril de 2007. Escrito por: Joandre Oliveira Melo, integrante do grupo Mesopotâmia Mineira:


Projeto Mesopotâmia: Geraldo F. Fonte Boa (Professor da FAPAM e Coord. do Projeto. E-mail: phonteboa@gmail.com.br), Flávio M. S. (Coord. Curso de História FAPAM. HP: www.nwm.com.br/fms), Ana Maria Campos (MUSPAM); Professores formados em História na FAPAM: Alaércio Delfino, Alfredo Couto, Damary de Carvalho, Geraldo Rodrigues, Hoffman Elias e Joandre Oliveira Melo. Aluna do curso de História/Fapam: Isabel Moura. Site FAPAM: www.fapam.edu.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço pelo seu comentário.